domingo, 4 de agosto de 2013

Sobre o Amor a partir de Vinícius de Moares



Os amores na vida e nos versos de Vinícius de Moraes, o poetinha vagabundo do cancioneiro popular brasileiro

Por céus e mares eu andei
vi um poeta e vi um rei
na esperança de saber
o que é o amor

            Vinícius de Moraes nasceu no ano da graça de 1913, na cidade do Rio de Janeiro respirando a ares de modernidade, profundamente impactada pela Belle Époque francesa. Sua vocação para as letras se mostraram claras desde menino, de modo que foi escolhido pela família como aquele a quem seriam direcionados todos os recursos necessários para que, por meio dos estudos, “se tornasse alguém na vida”. Tomou contato com a arte desde logo. Seu pai, doutor em latim, professor de francês, piano e violino, poeta amador. Sua mãe, pianista de uma família de boêmios e amantes da música popular. Entre o rigor do pai e a liberdade da mãe, no princípio se entregou ao primeiro. Amante da poesia romântica francesa, despontou desde logo como um poeta talentoso e jamais  abandonaria completamente os elementos tradicionais da poesia. Como diz o crítico literário Antônio Cândido, “o Vinícius de Moraes era um homem apegado à métrica, apegado à rima; um homem apegado às formas poéticas tradicionais, como o soneto, como a ode etc. Portanto era um poeta inserido na tradição”[1]. Vinícius era, neste início, um poeta sério, disciplinado, sóbrio. Um poeta que alinhavava em formas clássicas os temas morais e religiosos e flertava com a juventude integralista. Entrou para o serviço diplomático do Itamaraty e ganhou o primeiro lugar do concurso brasileiro de literatura. Ao que tudo indicava, parecia cumprir com os planos da família. Parecia “se tornar alguém na vida”. Jovem, já estava entre os grandes poetas brasileiros. Mas, em certo sentido, Vinícius simboliza uma ampla mudança na literatura brasileira – talvez mundial – de questionamento das formas tradicionais em busca de uma maior liberdade poética. Aquela vida da diplomacia, dos protocolos, comendas, caviares, champagnes e tome gravata[2]! Não parecia dar conta da enorme intensidade emocional que Vinícius imprimia em cada atitude. De repente, não mais que de repente[3], iniciou uma lenta transformação na direção oposta. Aquele poeta clássico, romântico, dos temas morais, da religião e da morte, se tornaria o poeta da canção popular, da bossa nova, dos afro-sambas, da canção do amor demais[4]. De repente, não mais que de repente, despertou para o amor, que lhe traria muitas alegrias. E também  muitos sofrimentos.
            Certa vez Carlos Drummond de Andrade – que o tinha na mais alta estima enquanto poeta e amigo – disse que muitos fizeram poesia, mas “Vinícius é o único poeta brasileiro que viveu como poeta”[5]. Um poeta de paixões, de pulsões, de vícios e de amores. E de muitos casamentos. Vinícius de Moras se casou nove vezes com a mesma intensidade, com o mesmo desejo de só ter um pensamento, de que fosse até morrer[6]. Um vida intensa, apaixonada. Uma vida na eterna busca da realização de si por meio do amor romântico, do amor total[7]. Foi, portanto um poeta do presente. Um poeta do mundo. Um poeta Moderno que nunca se contentou em escrever poesias. Ele queria viver poesias, como nos seus versos eternizados, hoje quase como um lugar-comum da sabedoria brasileira sobre o amor, o famoso Soneto da Fidelidade:

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor ei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
De quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure[8]

            Paradoxalmente foi aos poucos se fastando da sisudez da juventude e se tornando mais jovem. Sua poesia se afastava a cada dia mais da temática clássica e assumia ares modernistas, em que a temática do prosaico e do cotidiano assumiam a preponderância e as cores do Brasil e do Rio de Janeiro se faziam mais e mais acentuadas. Para a tristeza dos poetas canônicos – acima de todos o João Cabral de Mello Neto, para quem Vinícius era o mais talentoso dos poetas brasileiros – Vinícius cada vez mais deixava de lado a poesia “séria” e se envolvia de corpo, alma, copo e pena no mundo da música. Trocaria enfim de modo definitivo o silêncio das bibliotecas e do escritório da burocracia pela musicalidade dos bares e das praias cariocas. Como a família da mãe, parecia destinado a se tornar boêmio e músico. Como a poesia brasileira passaria por metamorfoses em busca de maior liberdade. A despeito de todo o talento, Vinícius não entrou para a história como um “grande poeta”, mas – ainda bem! – como o poetinha vagabundo[9] . Entrou para a história como um dos maiores letristas do cancioneiro popular brasileiro. Como o poeta dos choros do Pixinguinha, das jaboticabeiras no quintal, da torcida pelo Botafogo[10]. Enfim, como disse o poeta Ferreira Gullar,  nisso Vinícius também parece ser mair radical, porque experimentar novas formas poéticas é uma coisa, cair nos braços do cancioneiro popular e entrar no “esculacho total” é outra[11]. Não se tratava meramente de liberdade na poesia, mas de exercer – cada vez de forma mais intensa – essa liberdade na vida.
                A cada um de seus parceiros, Vinícius se entregava com devoção, com direito a ciúmes e tudo o mais. A cada um deles procurava entregar o seu melhor, e se dedicava com paixão. A cada dimensão da sua vida, imprimia necessariamente relações de afeto e quando o fogo apagava precisava se entregar novamente com paixão a um novo relacionamento. Sua entrada no mundo da música seria marcada pela primeira parceria importante, com o então desconhecido Maestro Antônio Carlos Jobim, que se tornaria um de seus mais amados parceiros e amigos. Sua peça, Orfeu da Conceição, musicada por Tom, é uma adaptação do mito grego ambientada nas favelas do Rio de Janeiro dos sambistas do morro, da malandragem, dos negros com os quais tanto se identificava: “Vinícius de Moraes, poeta e diplomata,, o branco mais preto do Brasil, da linha direta de Xangô, Saravá[12]!” Posteriormente, em parceria com Baden Powell e por meio de uma de suas esposas – filha de santo – abandonaria definitivamente o ateísmo materialista da juventude para abraçar o “mistério sensual dos orixás” e dos afro-sambas. Mas não sem antes se envolver com Carlinhos Lyra e todo o pessoal da bossa-nova, dentre os quais se destacaria como o principal  letrista e um espécie de guru à contragosto. Quando se sentia envelhecido, deixava as gerações para trás[13] e procurava uma turma ainda mais jovem. Até que encontrou na parceria com Toquinho o desejo de se entregar de vez aos palcos e se mostrar ao grande público como um bom cantor e um intérprete extremamente carismático, viajando o Brasil e o mundo mostrando a sua poesia, seus causos e o seu canto.
            Raramente como uma felicidade irradiante e incontestável. Do contrário, sua marca mais frequente era a intensidade. E com a intensidade das alegrias lhe, tomavam a tristeza e a melancolia[14]. Ali, no mundo da música, do uísque e das mulheres procurava fugir da dor da existência e encontrar a felicidade que o vento vai levando pelo ar. Que voa leve, mas tem a vida breve[15]. Sempre em busca de uma nova música, um nova parceria, um novo amor. Tantos quantos fossem necessários.
            Porque Vinícius sabia que para se viver um grande amor, é preciso e entregar por inteiro, seja lá como for[16]. É preciso abrir os braços e deixar cair[17] porque não existe amor sem se dar[18]. A gente nasce, a gente cresce a gente quer amar[19], mas todo grande amor só é bem grande se for triste[20] e não há nada sem separação[21]. Mas pra quem tem a certeza de que o amor é uma tristeza[22], Vinícius responde que mesmo o amor que não compensa é melhor que solidão, porque só é possível procurar a felicidade na entrega porque quem nunca amou não merece ser amado[23]. Para Vinícius, a razão da sua própria existência[24] é a eterna procura do amor total[25], da completude inalcançável. Quem me dera amar-te, quem me dera ter-te, quem me dera morar-te até morrer-te[26]. Quem me dera...
            Foram muitas as definições de amor cantadas por Vinícius. Não poderia ser diferente. Uma poesia tão visceral e tão intensa dependia muito do estado de espírito do poeta. Não poderia ser diferente, porque o amor, assim como a vida, se transforma, se intensifica, se esgota. O amor, como o fogo, vira brasa até se consumir por completo e se apagar. O amor, como a vida, deve ser eterno;  enquanto dura. E de nada adianta querer que dure mais ou dure menos. O amor como a vida tem sem próprio tempo. E nenhuma solidão é maior do que a do ser que não ama[27]. Por mais que se passe a vida em busca de uma definição para o amor, de nada adiantará. O amor não é para ser definido. O amor, como a poesia, é para ser vivido, em toda a sua intensidade. E o verdadeiro amor de quem se ama tece a mesma antiga trama que não se desfaz e a coisa mais divina que há no mundo é viver cada segundo como nunca mais[28]. Na busca incessante do amor, o poeta parece ter encontrado um resposta – e que seja mais essa também provisória – nas palavras daquele velho com aquela flor, quando canta:

Por céus e mares eu andei
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber o que é o amor
Ninguém sabia me dizer
Eu já queria até morrer
Quando um velhinho com um flor assim falou:

O amor é o carinho
É o espinho que não se vê em cada flor

É a vida quando
Chega sangrando
Aberta em pétalas de amor[29].

           

Atividade I:

Considerando a interpretação de Antônio Cândido segundo a qual Vinícius de Moraes foi um poeta “inserido na tradição” que dominava todos os recursos da poesia tradicional, reflitam sobre a importância desta característica para a apreciação da contribuição deste poeta para a tradição literária brasileira. Em sua reflexão, procure considerar seus conhecimentos de história da literatura para comparar Vinícius com outros poetas brasileiros do Movimento Modernista.

Procure discutir com seus colegas sobre as mudanças na sociedade brasileira no mesmo período e procurar relacionar com as reflexões sobre a poesia de Vinícius de Moraes.

Procure refletir sobre a suposta oposição entre erudito e popular. Quais são os pontos principais e os limites dessa oposição?

Na Etapa I, aparecem indicadas em itálico diversas poesias de Vinícius. Procure ao menos três delas e compare a visão de amor por elas apresentada. Escreva um pequeno texto comentando-as.

O Soneto, forma poética tradicionalmente ligada à tradição oral, era uma das formas preferidas de Vinícius. Procure – atentando às questões de forma, de rima e de métrica – escrever um soneto expressando a sua visão sobre o amor.

Procure, se possível em pequenos grupos, escrever uma canção sobre o amor pensando na relação entre a letra e a música. Se possível, procure a ajuda de alguém que saiba tocar algum instrumento musical, ou o professor de música da sua escola. O seu professor pode tentar organizar um pequeno festival em que sejam apresentadas essa canção para outros colegas.


[1]    Vinícius de Moraes, biografia. Filme dirigido por Miguel Faria Jr. 2005.
[2]    Testamento
[3]    Soneto da Separação
[4]    Canção do amor demais
[5]    Livro de lLetras/ Vinícius de Moraes; texto José Castello 2ªed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005
[6]    Minha namorada
[7]    Soneto do amor total
[8]    Soneto da Fidelidade.
[9]    Samba pra Vinícius
[10]  Olhe aqui Mr. Buster
[11]  Vinícius de Moraes, biografia. Filme dirigido por Miguel Faria Jr. 2005.
[12]  Samba da Benção
[13]  Livro de letras
[14]  Chega de Saudade
[15]  A felicidade
[16]  Par se viver um grande amor
[17]  Como dizia o poeta
[18]  Samba em Prelúdio
[19]  Formosa
[20]  Eu não existo sem você
[21]  Sei lá... A vida tem sempre razão
[22]  Água de beber
[23]  Insensatez
[24]  E por falar em saudade
[25]  Canção do amor total
[26]  O mais que perfeito
[27]  Da solidão.
[28]  Tomara
[29]  O velho e a flor



Amor platônico é comumente entendido como um amor irrealizável. Mas não achamos algo que corresponda a isso nos diálogos de Platão. Platão falou sobre amor em vários textos, os mais evidentes são três: Banquete, Fedro e Lísias.
No banquete há um encontro de vários homens que revolvem elogiar Eros, o deus grego que traduzimos por amor.
Fedro diz que o amor é o primeiro dos deuses
Pausânias diz que há dois Eros: um celeste e outro terrestre
Erixímaco diz que Eros liga-se aos seres vivos, dando-lhes a vida.
Aristófanes faz o famoso mito do andrógeno que diz que inicialmente o homem era homem e mulher ao mesmo tempo, com este voltou-se contra os deuses, Zeus os dividiu ao meio, por isso homem e mulher buscam a sua metade.
Agatão acha que Eros é o mais jovem e mais belo dos deuses
Sócrates e diotima dizem que amor não é belo nem feio, mas algo entre os dois, o amor é intermediário. Isso porque amor é desejo e quem deseja não tem, logo amor não pode ser bom. Eles contam o mito do nascimento de Eros. E depois falam sobre a ascensão dialética.
Organizei no meio dos discursos tese que podem ser discutidas sobre o amor.
  1. o amante sente vergonha diante do amado
  2. o amor faz com que os homens vencem as guerras
  3. é preciso proibir os jovens de se amarem
  4. deve-se amar às claras
  5. deve-se amar a alma mais que o corpo
  6. o amor está em tudo
  7. os amantes buscam as suas metades
  8. amor é desejo
  9. o amor sacia o desejo
  10. amor é desejo, então quem ama não tem aquilo que ama, logo amor não pode ser belo ou bom, mas algo intermediário.
  11. amor está entre a sabedoria e a ignorância
  12. ascensão amorosa: deve-se amar primeiro um corpo, depois todos os corpos, depois os costumes, depois as ciências e depois o ser em si.

No diálogo Fedro o personagem Fedro lê o discurso de Lisias que defende que deve-se entregar a quem não se ama uma vez que aquele que ama quer exclusividade do seu amado não querendo que esse conviva com outras pessoas. Sócrates, por sua vez, faz um discurso corroborando com essa tese. Para tanto usa o seguinte exemplo: um belo jovem tinha vários admiradores, um deles, para ganhar a disputa, convence-o de que deve-se amar aquele que não se ama, a justificativa é a mesma, o amante quer o amado apenas para ele. Logo em seguida, para se retratar, Sócrates faz outro discurso para corrigir o anterior. Ele diz que sem Eros as coisas ficam mecânicas e sem valor. Diz também que os maiores benefícios da cidade foram feitos por homens apaixonados. Um poeta, por exemplo, sem amor, apenas com a técnica produz uma poesia sem valor.
Trecho forte: 255d
“ele também ama, porém não sabe a quem ama por não perceber que ele se vê no seu amante como num espelho: junto dele esquece-se, longe deseja-o”

No lisias é dito que para se conquistar o amado deve-se não elogiá-lo, mas ao contrario diminuí-lo.