aula sobre arte
idendificar como uma música nasce de um mito
http://culturabrasil.cmais.com.br/programas/vinicius-poesia-musica-e-paixao/arquivo/o-branco-mais-preto-do-brasil
do 25 minutos até o 30 minutos
reconhecer a força da mitologia dos indios
https://www.youtube.com/watch?v=EqYdfpvln04
principalmente do minuto 4:30 até 7 minutos.
escolha uma das artes, um artista, uma obra do Brasil dos anos 2000 para cá.
um exemplo perto de nós: Paulo Freire
http://culturabrasil.cmais.com.br/programas/todos-os-sons/arquivo/musica-para-curupira-lobisomem-e-capeta
minutos 6:30
teatro
http://www.lumeteatro.com.br/
música
http://culturabrasil.cmais.com.br/
http://ims.uol.com.br/Sobre-o-IMS/D2
daça
http://confrariadadanca-campinas.blogspot.com.br/
literatura
fotografia
cinema
https://www.youtube.com/watch?v=v0AnkKRiPMU
quarta-feira, 4 de setembro de 2013
domingo, 4 de agosto de 2013
Sobre o Amor a partir de Vinícius de Moares
Os amores na vida e nos versos de Vinícius de Moraes, o poetinha vagabundo do cancioneiro popular brasileiro
Por céus e mares eu andei
vi um poeta e vi um rei
na esperança de saber
o que é o amor
Vinícius de Moraes nasceu no ano da graça de 1913, na cidade do Rio de Janeiro respirando a ares de modernidade, profundamente impactada pela Belle Époque francesa. Sua vocação para as letras se mostraram claras desde menino, de modo que foi escolhido pela família como aquele a quem seriam direcionados todos os recursos necessários para que, por meio dos estudos, “se tornasse alguém na vida”. Tomou contato com a arte desde logo. Seu pai, doutor em latim, professor de francês, piano e violino, poeta amador. Sua mãe, pianista de uma família de boêmios e amantes da música popular. Entre o rigor do pai e a liberdade da mãe, no princípio se entregou ao primeiro. Amante da poesia romântica francesa, despontou desde logo como um poeta talentoso e jamais abandonaria completamente os elementos tradicionais da poesia. Como diz o crítico literário Antônio Cândido, “o Vinícius de Moraes era um homem apegado à métrica, apegado à rima; um homem apegado às formas poéticas tradicionais, como o soneto, como a ode etc. Portanto era um poeta inserido na tradição”[1]. Vinícius era, neste início, um poeta sério, disciplinado, sóbrio. Um poeta que alinhavava em formas clássicas os temas morais e religiosos e flertava com a juventude integralista. Entrou para o serviço diplomático do Itamaraty e ganhou o primeiro lugar do concurso brasileiro de literatura. Ao que tudo indicava, parecia cumprir com os planos da família. Parecia “se tornar alguém na vida”. Jovem, já estava entre os grandes poetas brasileiros. Mas, em certo sentido, Vinícius simboliza uma ampla mudança na literatura brasileira – talvez mundial – de questionamento das formas tradicionais em busca de uma maior liberdade poética. Aquela vida da diplomacia, dos protocolos, comendas, caviares, champagnes e tome gravata[2]! Não parecia dar conta da enorme intensidade emocional que Vinícius imprimia em cada atitude. De repente, não mais que de repente[3], iniciou uma lenta transformação na direção oposta. Aquele poeta clássico, romântico, dos temas morais, da religião e da morte, se tornaria o poeta da canção popular, da bossa nova, dos afro-sambas, da canção do amor demais[4]. De repente, não mais que de repente, despertou para o amor, que lhe traria muitas alegrias. E também muitos sofrimentos.
Certa vez Carlos Drummond de Andrade – que o tinha na mais alta estima enquanto poeta e amigo – disse que muitos fizeram poesia, mas “Vinícius é o único poeta brasileiro que viveu como poeta”[5]. Um poeta de paixões, de pulsões, de vícios e de amores. E de muitos casamentos. Vinícius de Moras se casou nove vezes com a mesma intensidade, com o mesmo desejo de só ter um pensamento, de que fosse até morrer[6]. Um vida intensa, apaixonada. Uma vida na eterna busca da realização de si por meio do amor romântico, do amor total[7]. Foi, portanto um poeta do presente. Um poeta do mundo. Um poeta Moderno que nunca se contentou em escrever poesias. Ele queria viver poesias, como nos seus versos eternizados, hoje quase como um lugar-comum da sabedoria brasileira sobre o amor, o famoso Soneto da Fidelidade:
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor ei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
De quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure[8]
Paradoxalmente foi aos poucos se fastando da sisudez da juventude e se tornando mais jovem. Sua poesia se afastava a cada dia mais da temática clássica e assumia ares modernistas, em que a temática do prosaico e do cotidiano assumiam a preponderância e as cores do Brasil e do Rio de Janeiro se faziam mais e mais acentuadas. Para a tristeza dos poetas canônicos – acima de todos o João Cabral de Mello Neto, para quem Vinícius era o mais talentoso dos poetas brasileiros – Vinícius cada vez mais deixava de lado a poesia “séria” e se envolvia de corpo, alma, copo e pena no mundo da música. Trocaria enfim de modo definitivo o silêncio das bibliotecas e do escritório da burocracia pela musicalidade dos bares e das praias cariocas. Como a família da mãe, parecia destinado a se tornar boêmio e músico. Como a poesia brasileira passaria por metamorfoses em busca de maior liberdade. A despeito de todo o talento, Vinícius não entrou para a história como um “grande poeta”, mas – ainda bem! – como o poetinha vagabundo[9] . Entrou para a história como um dos maiores letristas do cancioneiro popular brasileiro. Como o poeta dos choros do Pixinguinha, das jaboticabeiras no quintal, da torcida pelo Botafogo[10]. Enfim, como disse o poeta Ferreira Gullar, nisso Vinícius também parece ser mair radical, porque experimentar novas formas poéticas é uma coisa, cair nos braços do cancioneiro popular e entrar no “esculacho total” é outra[11]. Não se tratava meramente de liberdade na poesia, mas de exercer – cada vez de forma mais intensa – essa liberdade na vida.
A cada um de seus parceiros, Vinícius se entregava com devoção, com direito a ciúmes e tudo o mais. A cada um deles procurava entregar o seu melhor, e se dedicava com paixão. A cada dimensão da sua vida, imprimia necessariamente relações de afeto e quando o fogo apagava precisava se entregar novamente com paixão a um novo relacionamento. Sua entrada no mundo da música seria marcada pela primeira parceria importante, com o então desconhecido Maestro Antônio Carlos Jobim, que se tornaria um de seus mais amados parceiros e amigos. Sua peça, Orfeu da Conceição, musicada por Tom, é uma adaptação do mito grego ambientada nas favelas do Rio de Janeiro dos sambistas do morro, da malandragem, dos negros com os quais tanto se identificava: “Vinícius de Moraes, poeta e diplomata,, o branco mais preto do Brasil, da linha direta de Xangô, Saravá[12]!” Posteriormente, em parceria com Baden Powell e por meio de uma de suas esposas – filha de santo – abandonaria definitivamente o ateísmo materialista da juventude para abraçar o “mistério sensual dos orixás” e dos afro-sambas. Mas não sem antes se envolver com Carlinhos Lyra e todo o pessoal da bossa-nova, dentre os quais se destacaria como o principal letrista e um espécie de guru à contragosto. Quando se sentia envelhecido, deixava as gerações para trás[13] e procurava uma turma ainda mais jovem. Até que encontrou na parceria com Toquinho o desejo de se entregar de vez aos palcos e se mostrar ao grande público como um bom cantor e um intérprete extremamente carismático, viajando o Brasil e o mundo mostrando a sua poesia, seus causos e o seu canto.
Raramente como uma felicidade irradiante e incontestável. Do contrário, sua marca mais frequente era a intensidade. E com a intensidade das alegrias lhe, tomavam a tristeza e a melancolia[14]. Ali, no mundo da música, do uísque e das mulheres procurava fugir da dor da existência e encontrar a felicidade que o vento vai levando pelo ar. Que voa leve, mas tem a vida breve[15]. Sempre em busca de uma nova música, um nova parceria, um novo amor. Tantos quantos fossem necessários.
Porque Vinícius sabia que para se viver um grande amor, é preciso e entregar por inteiro, seja lá como for[16]. É preciso abrir os braços e deixar cair[17] porque não existe amor sem se dar[18]. A gente nasce, a gente cresce a gente quer amar[19], mas todo grande amor só é bem grande se for triste[20] e não há nada sem separação[21]. Mas pra quem tem a certeza de que o amor é uma tristeza[22], Vinícius responde que mesmo o amor que não compensa é melhor que solidão, porque só é possível procurar a felicidade na entrega porque quem nunca amou não merece ser amado[23]. Para Vinícius, a razão da sua própria existência[24] é a eterna procura do amor total[25], da completude inalcançável. Quem me dera amar-te, quem me dera ter-te, quem me dera morar-te até morrer-te[26]. Quem me dera...
Foram muitas as definições de amor cantadas por Vinícius. Não poderia ser diferente. Uma poesia tão visceral e tão intensa dependia muito do estado de espírito do poeta. Não poderia ser diferente, porque o amor, assim como a vida, se transforma, se intensifica, se esgota. O amor, como o fogo, vira brasa até se consumir por completo e se apagar. O amor, como a vida, deve ser eterno; enquanto dura. E de nada adianta querer que dure mais ou dure menos. O amor como a vida tem sem próprio tempo. E nenhuma solidão é maior do que a do ser que não ama[27]. Por mais que se passe a vida em busca de uma definição para o amor, de nada adiantará. O amor não é para ser definido. O amor, como a poesia, é para ser vivido, em toda a sua intensidade. E o verdadeiro amor de quem se ama tece a mesma antiga trama que não se desfaz e a coisa mais divina que há no mundo é viver cada segundo como nunca mais[28]. Na busca incessante do amor, o poeta parece ter encontrado um resposta – e que seja mais essa também provisória – nas palavras daquele velho com aquela flor, quando canta:
Por céus e mares eu andei
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber o que é o amor
Ninguém sabia me dizer
Eu já queria até morrer
Quando um velhinho com um flor assim falou:
O amor é o carinho
É o espinho que não se vê em cada flor
É a vida quando
Chega sangrando
Aberta em pétalas de amor[29].
Atividade I:
Considerando a interpretação de Antônio Cândido segundo a qual Vinícius de Moraes foi um poeta “inserido na tradição” que dominava todos os recursos da poesia tradicional, reflitam sobre a importância desta característica para a apreciação da contribuição deste poeta para a tradição literária brasileira. Em sua reflexão, procure considerar seus conhecimentos de história da literatura para comparar Vinícius com outros poetas brasileiros do Movimento Modernista.
Procure discutir com seus colegas sobre as mudanças na sociedade brasileira no mesmo período e procurar relacionar com as reflexões sobre a poesia de Vinícius de Moraes.
Procure refletir sobre a suposta oposição entre erudito e popular. Quais são os pontos principais e os limites dessa oposição?
Na Etapa I, aparecem indicadas em itálico diversas poesias de Vinícius. Procure ao menos três delas e compare a visão de amor por elas apresentada. Escreva um pequeno texto comentando-as.
O Soneto, forma poética tradicionalmente ligada à tradição oral, era uma das formas preferidas de Vinícius. Procure – atentando às questões de forma, de rima e de métrica – escrever um soneto expressando a sua visão sobre o amor.
Procure, se possível em pequenos grupos, escrever uma canção sobre o amor pensando na relação entre a letra e a música. Se possível, procure a ajuda de alguém que saiba tocar algum instrumento musical, ou o professor de música da sua escola. O seu professor pode tentar organizar um pequeno festival em que sejam apresentadas essa canção para outros colegas.
[1] Vinícius de Moraes, biografia. Filme dirigido por Miguel Faria Jr. 2005.
[2] Testamento
[3] Soneto da Separação
[4] Canção do amor demais
[5] Livro de lLetras/ Vinícius de Moraes; texto José Castello 2ªed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005
[6] Minha namorada
[7] Soneto do amor total
[8] Soneto da Fidelidade.
[9] Samba pra Vinícius
[10] Olhe aqui Mr. Buster
[11] Vinícius de Moraes, biografia. Filme dirigido por Miguel Faria Jr. 2005.
[12] Samba da Benção
[13] Livro de letras
[14] Chega de Saudade
[15] A felicidade
[16] Par se viver um grande amor
[17] Como dizia o poeta
[18] Samba em Prelúdio
[19] Formosa
[20] Eu não existo sem você
[21] Sei lá... A vida tem sempre razão
[22] Água de beber
[23] Insensatez
[24] E por falar em saudade
[25] Canção do amor total
[26] O mais que perfeito
[27] Da solidão.
[28] Tomara
[29] O velho e a flor
Amor platônico é comumente entendido como um amor irrealizável. Mas não achamos algo que corresponda a isso nos diálogos de Platão. Platão falou sobre amor em vários textos, os mais evidentes são três: Banquete, Fedro e Lísias.
No banquete há um encontro de vários homens que revolvem elogiar Eros, o deus grego que traduzimos por amor.
Fedro diz que o amor é o primeiro dos deuses
Pausânias diz que há dois Eros: um celeste e outro terrestre
Erixímaco diz que Eros liga-se aos seres vivos, dando-lhes a vida.
Aristófanes faz o famoso mito do andrógeno que diz que inicialmente o homem era homem e mulher ao mesmo tempo, com este voltou-se contra os deuses, Zeus os dividiu ao meio, por isso homem e mulher buscam a sua metade.
Agatão acha que Eros é o mais jovem e mais belo dos deuses
Sócrates e diotima dizem que amor não é belo nem feio, mas algo entre os dois, o amor é intermediário. Isso porque amor é desejo e quem deseja não tem, logo amor não pode ser bom. Eles contam o mito do nascimento de Eros. E depois falam sobre a ascensão dialética.
Organizei no meio dos discursos tese que podem ser discutidas sobre o amor.
- o amante sente vergonha diante do amado
- o amor faz com que os homens vencem as guerras
- é preciso proibir os jovens de se amarem
- deve-se amar às claras
- deve-se amar a alma mais que o corpo
- o amor está em tudo
- os amantes buscam as suas metades
- amor é desejo
- o amor sacia o desejo
- amor é desejo, então quem ama não tem aquilo que ama, logo amor não pode ser belo ou bom, mas algo intermediário.
- amor está entre a sabedoria e a ignorância
- ascensão amorosa: deve-se amar primeiro um corpo, depois todos os corpos, depois os costumes, depois as ciências e depois o ser em si.
No diálogo Fedro o personagem Fedro lê o discurso de Lisias que defende que deve-se entregar a quem não se ama uma vez que aquele que ama quer exclusividade do seu amado não querendo que esse conviva com outras pessoas. Sócrates, por sua vez, faz um discurso corroborando com essa tese. Para tanto usa o seguinte exemplo: um belo jovem tinha vários admiradores, um deles, para ganhar a disputa, convence-o de que deve-se amar aquele que não se ama, a justificativa é a mesma, o amante quer o amado apenas para ele. Logo em seguida, para se retratar, Sócrates faz outro discurso para corrigir o anterior. Ele diz que sem Eros as coisas ficam mecânicas e sem valor. Diz também que os maiores benefícios da cidade foram feitos por homens apaixonados. Um poeta, por exemplo, sem amor, apenas com a técnica produz uma poesia sem valor.
Trecho forte: 255d
“ele também ama, porém não sabe a quem ama por não perceber que ele se vê no seu amante como num espelho: junto dele esquece-se, longe deseja-o”
No lisias é dito que para se conquistar o amado deve-se não elogiá-lo, mas ao contrario diminuí-lo.
sexta-feira, 28 de junho de 2013
dicionário de filosofia - sobre ciência
algumas palavras do dicionário de filosofia de Nicolas Abagnano
MÉTODO
(gr. uieoôoç; lat. Methodus; in.
Method; fr. Méthode, ai. Methode, it. Método). Este
termo tem dois significados fundamentais: 1Q qualquer pesquisa ou
orientação de pesquisa; 2- uma técnica particular de pesquisa. No
primeiro significado, não se distingue de "investigação" ou
"doutrina". O segundo significado é mais restrito e indica um
procedimento de investigação organizado, repetível e autocorrigível, que
garanta a obtenção de resultados válidos. Ao primeiro significado referem-se
expressões como "M. hegeliano", "M. dialético", etc, ou
mesmo "M. geométrico", "M. experimental", etc. Ao segundo
significado referem-se expressões como "M. silogístico", "M.
residual" e, em geral, os que designam procedimentos específicos de
investigação e verificação. Tanto Platão (Sof, 218 d; Fed., 270
c) quanto Aristóteles (Pol, 1289 a 26; Et. nic, 1129 a 6)
empregam esse termo em ambos os significados; no moderno e contemporâneo,
prevalece o segundo. Contudo, é preciso observar que não há doutrina ou teoria,
quer científica quer filosófica, que não possa ser considerada sob o aspecto de
sua ordem de procedimentos, sendo, pois, chamada de M. O próprio Descartes, p.
ex., expôs o mesmo conteúdo do Discurso do método na forma de Meditações
metafísicas e de Princípios de filosofia: o que por um lado era M.,
por outro era doutrina. De modo geral, não há doutrina que não possa ser
considerada e chamada de M., se encarada como ordem ou procedimento de
pesquisa. Portanto, a classificação dos M. filosóficos e científicos sem dúvida
seria uma classificação das respectivas doutrinas. Quanto às doutrinas que com
mais freqüência ou razão são chamadas de M., v. os capítulos respectivos:
ANÁLISE; AXIOMATIZAÇÃO; CONCOMITÂNCIA; CONCORDÂNCIA; DEDUÇÃO; DIALÉTICA;
DIFERENÇA; DEMONSTRAÇÃO; INDUÇÃO;
PROVA; RESÍDUOS; Silogismo; Síntese; bem como os verbetes
dedicados a cada disciplina: Filosofia;
METODOLOGIA
(in. Methodology, fr. Mé-thodologie,
ai. Methodologye, Methodenlehre, it. Metodologia). Com este
termo podem ser designadas quatro coisas diferentes: Ia lógica ou parte da lógica que estuda os métodos; 2a
lógica transcendental aplicada; 3a conjunto de procedimentos
metódicos de uma ou mais ciências; 4a a análise filosófica de tais
procedimentos.
Ia A lógica foi interpretada como M. na fase pós-cartesiana. Segundo a Lógica
de Port-Royal, "a lógica é a arte de bem conduzir a própria razão no
conhecimento das coisas, tanto para instruir-se quanto para instruir aos
outros". No mesmo sentido, Wolff definia a lógica como "a ciência de
dirigir a faculdade cognoscitiva no conhecimento da verdade" {Log., §
1). Esse conceito de lógica pode ser encontrado também na definição de Stuart
MUI, como "ciência das operações do intelecto que servem para a avaliação
da prova" {Logic, Intr., § 7). Por outro lado, a M. também foi
considerada uma parte da lógica. Pedro Ramus dividia a lógica em quatro partes:
doutrina do conceito, do juízo, do raciocínio e do método (Dialecticae
institutiones, 1543); essa divisão, aceita pela Lógica de
Port-Royal, tornou-se tradicional e foi constantemente adotada pela lógica
filosófica do séc. XIX (v. para todos Benno Erdmann, Logick, 1892,1, § 7). Apartir de Wolff (Log., §§ 505 ss.),
a_jd_outrina do método foi freç|üejite^rii£nte_£haínada de lógica prática,
2-
A M. foi entendida por Kant como
lógica transcendental aplicada ou "prática". Constitui a segunda
parte principal da Crítica da Razão Pura, cujo objetivo é
"determinar as condições formais de um sistema completo da razão
pura"; compreende uma disciplina, um cânon, uma arquitetura e, finalmente,
uma história da razão pura. O próprio Kant confronta essa parte de sua obra com
a lógica formal aplicada ou prática: "Do ponto de vista transcendental,
faremos o que se procurou fazer nas escolas com o nome de lógica prática em
relação ao uso do intelecto em geral, mas que se fez mal, porque, não se
limitando a um modo especial de conhecimento intelectual (p. ex., o puro), nem
a certos objetos, a lógica geral nada mais pode fazer senão propor títulos de
métodos possíveis e de expressões técnicas" (Crít. R. Pura, Doutr.
transe, do método, Intr.).
3a
Com o nome de M. hoje é freqüentemente indicado o conjunto de procedimentos
técnicos de averiguação ou verificação à disposição de determinada disciplina
ou grupo de disciplinas. Nesse sentido fala-se, p. ex., de "M. das
ciências naturais" ou de "M. historiográfica". Nesse aspecto, a
M. é elaborada no interior de uma disciplina científica ou de um grupo de
disciplinas e não tem outro objetivo além de garantir às disciplinas em questão
o uso cada vez mais eficaz das técnicas de procedimento de que dispõem.
4a
Por outro lado, em estreita conexão com o sentido acima, a M. vem-se
constituindo como disciplina filosófica relativamente autônoma e destinada à
análise das técnicas de investigação empregadas em uma ou mais ciências. Nesse
sentido, não são objetos da M. os "métodos" das ciências, ou seja, as
classificações amplas e aproximativas (análise, síntese, indução, dedução,
experimentação, etc), nas quais se inserem as técnicas da pesquisa
científica, mas tão-somente essas técnicas, consideradas em suas estruturas
específicas e nas condições que possibilitam o seu uso. Tais técnicas
compreedem, obviamente, qualquer procedimento lingüístico ou operacional, qualquer
conceito e qualquer instrumento que uma ou mais disciplinas utilizem na
aquisição e na verificação de seus resultados. Nesse sentido, a M. é sucessora d)
da metafísica, porque a ela cabem os problemas que concernem às relações
entre as ciências e as zonas de interferência (e algumas vezes de conflito)
entre ciências diferentes; b) da gnosiologia, porquanto substitui a
consideração do "conhecimento", entendido como forma global da
atividade humana ou do Espírito em geral, pela consideração dos procedimentos
cognoscitivos utilizados por um ou mais campos da investigação científica. Essa
M. chama-se também "crítica das ciências". Embora o trabalho
realizado por ela nessa direção e iniciado nas primeiras décadas do séc. XX já seja considerável, está faltando até agora uma
determinação precisa da tarefa e das orientações dessa disciplina. Cf. todavia
autores vários, Fondamenti logici delia scienza, Turim, 1947; id.,
Saggi di critica deUe scienze, Turim, 1950: ambos org. pelo Centro di Studi
Metodologia di Torino.
CIÊNCIAS,
CLASSIFICAÇÃO DAS (in Classification
of sciences; fr. Classification des sciences; ai. Klassifikation
der Wissenschafte, it. Classificazione delle scienzé). Enquanto uma enciclopédia
(v.) é a tentativa de dar o quadro completo de todas as disciplinas
científicas e de fixar de modo definitivo as suas relações de coordenação e
subordinação, uma classificação das C. tem só o intuito mais modesto de dividir
as C. em dois ou mais grupos, segundo a afinidade de seus objetos ou de seus
instrumentos de pesquisa. É óbvio que as enciclopédias das C. também podem ser
consideradas simples classificações, mas algumas classificações simples, feitas
pelos filósofos do século XIX, foram muito
mais eficazes nesse trabalho científico. A mais famosa de todas é a proposta
por Am-père, de C. do espírito, ou noológicas, e C. da natureza, ou cosmo
lógicas (Essai sur Ia philosopbie des sciences, 1834). Essa classificação
foi amplamente aceita e, às vezes, reexpressa com outros termos, p. ex., como
distinção entre C. culturais e C. naturais (Du Bois-Reymond, Kulturgeschichte und
Naturnissenschaften, 1878). Para a sua difusão a maior contribuição foi de
Dilthey, que, em Introdução às ciências do espírito (1883), insistiu na
diferença entre as ciências que visam conhecer casualmente o objeto, que
permanece externo, isto é, as C. naturais, e as que, ao contrário, visam compreender
o objeto (que é o homem) e a revivê-lo intrinsecamente, isto é, as C. do
espírito. Win-delband, por sua vez, fazia distinção entre C. nomotéticas, que
procuram descobrir leis e dizem respeito à natureza, e C. idiogrãficas, que
têm em mira o indivíduo, em determinação histórica e como objeto a história (Geschichte
und Naturwissenschaften, 1894, e depois nos Prâludierí). Rickert
exprimia a mesma diferença com mais felicidade afirmando que as C. da natureza
têm caráter generalizante, ao passo que as C. do espírito têm caráter individua-lizante
(Die Grenzen der naturwissenschaft-lichen Begriffsbildung, 1896-1902, pp.
236 ss.) (v. Historiografia).
De
outro ponto de vista, Comte distinguira duas espécies de C. naturais: as C. abstratas
ou gerais, que têm por objeto a descoberta das leis que regem as diferentes
classes de fenômenos, e as C. concretas, particulares, descritivas, que
consistem na aplicação dessas leis à história efetiva dos diferentes seres
existentes (Cours dephil. positive, 1830, I, II, § 4). Spencer retomava essa distinção e, por sua vez,
dividia todas as C. em abstratas (lógica formal e matemática), abstrato-concretas
(mecânica, física, química) e concretas (astronomia, mineralogia,
geologia, biologia, psicologia, sociologia) (The Classification of the
Sciences, 1864). E Wundt simplificava essa classificação, reduzindo-a a
dois grupos apenas: o das C. formais (lógica e matemática) e o das C. reais
(C. da natureza e do espírito) (System der Philosophie, 1889). Pouco
diferente desta é a classificação triádica de Ostwald em C. formais, C. físicas
e C. biológicas (Gundriss derNaturphilosophie, 1908). A distinção entre
C. formais e C. reais ainda é amplamente aceita. R. Carnap a repropôs com o
fundamento de que as C. formais só conteriam asserções analíticas e as C.
reais, ou factuais, conteriam também asserções sintéticas (em Erkenntniss, 1934,
n. 5; agora em Readings in the Philosophy of Science, 1953, pp. 123
ss.).
Como
nota Carnap, assim interpretada, essa classificação deixa intacta a unidade da
C, pois "as C. formais não têm absolutamente objeto: são sistemas de
asserções auxiliares sem objeto e sem conteúdo" (Ibid., p. 128).
Essas
últimas palavras de Carnap explicam-se tendo em mente que hoje não se pode
conferir caráter absoluto ou rigoroso à distinção entre as várias C. As
palavras seguintes de Von Mises exprimem bem o ponto de vista mais corrente
sobre o assunto: "Qualquer divisão e subdivisão das C. tem apenas
importância prática e provisória, não é sistematicamente necessária e
definitiva, isto é, depende das situações externas em que se realiza o trabalho
científico e da fase atual de desenvolvimento de cada disciplina. Os progressos
mais decisivos muitas vezes se originaram do esclarecimento de problemas que se
encontram nos limites entre setores até então tratados separadamente" (Klei-nes
Lehrbuch des Positivismus, 1939, V, 7).
CONHECIMENTO
(gr. Yvüxtiç;
lat. Cognitio, in. Knowledge, fr. Connaissance, ai.
Erkennt-niss; it. Conoscenzd). Em geral, uma técnica para a
verificação de um objeto qualquer, ou a disponibilidade ou posse de uma técnica
semelhante. Por técnica de verificação deve-se entender qualquer procedimento
que possibilite a descrição, o cálculo ou a previsão controlável de um objeto;
e por objeto deve-se entender qualquer entidade, fato, coisa, realidade ou
propriedade. Técnica, nesse sentido, é o uso normal de um órgão do sentido
tanto quanto a operação com instrumentos complicados de cálculo: ambos os
procedimentos permitem verificações controláveis. Não se deve presumir que tais
verificações sejam infalíveis e exaustivas, isto é, que subsista uma técnica de
verificação que, uma vez empregada em relação a um C. x, torne inútil
seu emprego ulterior em relação ao mesmo C, sem que este perca algo de sua
validade. A controlabilidade dos procedimentos de verificação, sejam
eles grosseiros ou refinados, significa a repetibilidade de suas
aplicações, de modo que um "C" permanece como tal só enquanto
subsistir a possibilidade da verificação. Contudo, as técnicas de
verificação podem ter os mais diversos graus de eficácia e podem, em última
instância, ter eficácia mínima ou nula: nesse caso, perdem, de pleno direito, a
qualificação de conhecimento. "O C. de x " significa um procedimento
capaz de fornecer algumas informações controláveis sobre x, isto é, que
permita descrevê-lo, calculá-lo ou prevê-lo em certos limites. A
disponibilidade ou a posse de uma técnica cognitiva
designa
a participação pessoal dessa técnica. "Conheço x" significa
(salvo limitações) que sou capaz de pôr em prática procedimentos que
possibilitem a descrição, o cáculo ou a previsão de x. Portanto o
significado pessoal ou subjetivo de C. deve ser considerado secundário e
derivado: o significado primário é objetivo e impessoal, como acima exposto.
Esse significado primário também permite fazer facilmente a distinção entre crença
e C: a crença (v.) é o empenho na verdade de uma noção qualquer
ainda que não verificável; o C. é um procedimento de verificação ou a
participação possível em tal procedimento.
Como
procedimento de verificação, qualquer operação cognitiva visa a um objeto e
tende a instaurar com ele uma relação da qual venha a emergir uma
característica efetiva deste. Portanto, as interpretações do C. que foram dadas
ao longo da história da filosofia podem ser consideradas interpretações dessa
relação e, como tal, resumir-se em duas alternativas fundamentais: Ia essa relação é uma identidade ou semelhança (entende-se
por semelhança uma identidade fraca e parcial) e a operação cognitiva é um
procedimento de identificação com o objetivo ou de reprodução dele; 2a
a relação cognitiva é uma apresentação do objeto e a operação cognitiva é um
procedimento de transcendência.
Ia A primeira interpretação é a mais comum na filosofia ocidental. Pode,
por sua vez, ser dividida em duas fases diferentes: A) na primeira, a
identidade ou a semelhança com o objeto é entendida como identidade ou
semelhança dos elementos do C. com os elementos do objeto: p. ex., dos
conceitos ou das representações com as coisas; B) na segunda fase, a
identidade ou a semelhança restringe-se à ordem dos respectivos
elementos: nesse caso, a operação de conhecer não consiste em reproduzir o
objeto, mas as relações constitutivas do próprio objeto, isto é, a ordem dos
elementos. Na primeira fase, o C. é considerado itnagemou retrato do
objeto; na segunda fase, tem com o objeto a mesma relação que um mapa tem com a
paisagem que representa.
Á)
A primeira fase constitui a forma como
a doutrina do C. surgiu no mundo antigo, ou seja, como identificação. Os
pré-socráticos exprimiram-se com o princípio de que "o semelhante conhece
o semelhante", pelo qual Empédocles afirmava que conhecemos a terra com
a terra, a água com a água, etc. (Fr. 105, Diels). Podem ser
consideradas variantes desse princípio tanto a afirmação de Heráclito, "o
que se move conhece o que se move" (Aristóteles,
De an., I, 2,
405 a
27), quanto a de Ana-xágoras, segundo a qual "a alma conhece o contrário
com o contrário" (Teofr., De
sens., 27). Esta última na realidade parece aludir mais a uma condição do
C. — que pressupõe a diversidade como dirá Aristóteles (De an., II, J, 417 a 16) — do que ao próprio
ato cognitivo, como indica a justificação que lhe é dada: "o semelhante,
com efeito, não pode sofrer a ação do semelhante". Mas foram Platão e
Aristóteles que estabeleceram em bases sólidas essa interpretação do
conhecimento. O encontro do semelhante com o semelhante, a homogeneidade, são
os conceitos que Platão utiliza para explicar os processos cognitivos (Tim.,
45 c, 90 c-d): conhecer significa tornar o pensante semelhante ao pensado.
Conseqüentemente, os graus de C. modelam-se segundo os graus do ser: não se
pode conhecer com certeza, isto é, com "firmeza" o que não é firme,
porque o C. só faz reproduzir o objeto; por isso "o que é absolutamente é
absolutamente cognoscível, enquanto o que não é de nenhum modo de nenhum modo é
cognoscível" (Rep., 47
a). Dessa maneira, Platão estabeleceu a correspondência
entre ser e ciência, que é o C. verdadeiro; entre não ser e ignorância; entre
devir, que está entre o ser e o não ser, e opinião, que está entre o C. e a
ignorância. E distinguiu os seguintes graus do C: ls suposição ou
conjectura, que tem por objeto sombras e imagens das coisas sensíveis; 2a
a opinião acreditada, mas não verificada, que tem por objeto as coisas
naturais, os seres vivos e, em geral, o mundo sensível; 3Q razão
científica, que procede por via de hipóteses e tem por objeto os entes
matemáticos; 4S inteligência filosófica, que procede dialeticamente
e tem por objeto o mundo do ser (Ibid., VI, 509-10). Cada um desses graus de C.
é a cópia exata do seu respectivo objeto: de modo que não há dúvida de que,
para Platão, conhecer é estabelecer uma relação de identidade com o objeto em cada
caso, ou uma relação que se aproxime o máximo possível da identidade. De forma
ainda mais rigorosa esse ponto de vista era realizado por Aristóteles. Segundo
ele, o C. em ato é idêntico ao objeto, se se tratar de C. sensível; é a própria
forma inteligível (ou substância) do objeto, se se tratar de C. intelegível (De
an., II, 5, 417 a). En-
tende-se que a faculdade sensível e
o intelecto potencial são simples possibilidades de conhecer, mas quando essas
possibilidades se realizam, a primeira pela ação das coisas externas, a segunda
pela ação do intelecto ativo, identificam-se com os respectivos objetos; p.
ex., ouvir um som (sensação em ato) identifica-se com o próprio som, assim como
entender uma substância identifica-se com a própria substância. Portanto,
Aristóteles pode afirmar, em geral, que "a ciência em ato é idêntica ao
seu objeto" (Dean., III,
7, 431 a
1).
Essa doutrina aristotélica pode ser
considerada a forma típica da interpretação do C. como identidade com o objeto.
Com exceção dos estóicos, tal interpretação domina o curso ulterior da
filosofia grega. Para Epicuro, o fluxo dos simulacros (eidold) que se
destacam das coisas e se imprimem na alma serve precisamente para garantir a
semelhança das imagens com as coisas (Ep. aHerod., 51). E Plotino
utiliza o mesmo conceito para esclarecer a natureza do conhecimento. Tem-se C.
quando a parte da alma com que se conhece unifica-se com o objeto conhecido e
forma um todo com ele. Se a alma e esse objeto permanecem dois, o objeto
permanece exterior à própria alma e o conhecimento dele permanece inoperante.
Só a unidade dos dois termos constitui o conhecimento verdadeiro (Enn., III, 8, 6). Na filosofia
cristã, permanece a mesma interpretação, que, aliás, serve de fundamento para
as mais características especulações teológicas e antropológicas. Segundo S.
Agostinho, o homem pode conhecer Deus porquanto ele mesmo é a imagem de Deus.
Memória, inteligência e vontade, em sua unidade e distinção recípocra,
reproduzem no homem a trindade divina de Ser, Verdade e Amor (De Trin., X, 18). Essa noção, com
algumas variações secundárias, dominou toda a teologia medieval e também foi o
fundamento da antropologia. Mas dela derivava uma conseqüência importante pelo
C. que o homem tem das coisas inferiores a Deus. O reconhecimento da origem
divina dos poderes humanos (enquanto imagens dos poderes divinos) torna os
poderes humanos relativamente independentes dos outros objetos cognoscíveis e
acentua a importância do sujeito cognoscente. Para Aristóteles, a faculdade
sensível e o intelecto potencial nada mais são que seus próprios objetos
"em potência": não têm nenhuma independência em face desse objetos.
Mas S. Agostinho afirma, ao contrário, que "todo C. (notitid) deriva,
ao mesmo tempo, do cognoscente e do conhecido" (Jbid., XIX, 12), pondo no mesmo
plano o objeto conhecido e o sujeito eognoscente como condição do conhecimento,
S. Tomás, embora sancionando explicitamente o princípio de que todo C. ocorre per
assimilationem {Contra Gent., II, 77) ou perunionem{In Sent., I, 3, D da coisa conhecida e do objeto
cognoscente, afirma que "o objeto conhecido está no cognoscente segundo a
natureza do próprio cognoscente" {De ver., q. 2, a. 1; S. Th., I, q. 83, a. 1); e assim no
conhecer o peso do sujeito vem contrabalançar o peso do objeto. Esse ponto de
vista leva a atenuar a tese aristotélica, segundo a qual o C. em ato é o
próprio objeto. S. Tomás, comentando a afirmação aristotélica de que "a
alma são todas as coisas" {De an., III, 8.431 b 20) a atenua no sentido de
que a alma não são as coisas, mas as espécies das coisas. Mas a espécie
outra coisa não é senão a forma das coisas. C, portanto, é abstração: a forma
abstraída da matéria individual, o universal abstraído do particular. Assim,
para S. Tomás, a espécie estabelece o limite da identidade entre o cognoscente
e o conhecido; mas o conhecer permanece como identidade. Por sua vez, S.
Boaventura, apesar de continuar fiel ao princípio agostiniano do lumen
directivum que o homem haure diretamente de Deus e do qual derivam certeza
e verdade, admite que o material do C. é constituído por espécies que são
imagens, similitudes ou "quase-pinturas" das próprias coisas {In
Sent., I, p. 17, a. 1, q. 4). Se, em seu
último período, a Escolástica assinala o predomínio de uma interpretação
diferente do conhecer (v. mais adiante), o Renascimento conserva, em geral, a
interpretação do C. como identidade ou semelhança. Nicolau de Cusa diz
explicitamente que o intelecto não entende se não se assimila ao que deve entender
{De mente, 3-; De ludo globi, 1; De venatione sapientiae, 29)
e Ficino diz que o C. é a união espiritual com alguma forma espiritual {Theol.plat.,
III, 2). Os
naturalistas não se exprimem de modo diferente: Bruno retoma o princípio
pré-socrático de que todo semelhante se conhece pelo semelhante e Campanella
afirma: "nós conhecemos o que é porque nos tornamos semelhantes a
ele" {Mel, I, 4,
1). O pitagorismo dos fundadores da nova ciência, Leonardo, Copérnico, Kepler,
Ga-lilei, tem pressuposto análogo: o procedimento matemático da ciência
justifica-se porque a própria natureza tem estrutura matemática: no sentido de
que, como diz Galilei, os caracteres em
que está escrito o livro da
natureza são triângulos, círculos, etc. {Opere, VI, pág, 232).
Na filosofia moderna, a doutrina de
que conhecer é uma operação de identificação assume três formas principais,
segundo se considere que essa operação é realizada mediante: d) a
criação que o sujeito faz do objeto; b) a consciência; c) a linguagem.
d) O idealismo romântico e
as suas ramificações contemporâneas afirmaram a tese de que conhecer significa
pôr, isto é, produzir ou criar, o objeto: tese que permite reconhecer no
próprio objeto a manifestação ou a atividade do sujeito. Essa tese foi afirmada
em primeiro lugar por Fichte. "A representação em geral", disse ele,
"é irreputavelmente um efeito do Não-eu. Mas no Eu não pode haver
absolutamente nada que seja um efeito; porque o Eu é aquilo que ele se põe e
nada há nele que não seja posto por ele mesmo. Portanto, o próprio Não-eu deve
ser efeito do Eu, aliás do Eu absoluto, e assim não temos uma ação sobre o Eu
vinda de fora, mas uma ação do eu sobre si mesmo" {Wissenschaftslehre, 1794,
III, § 5, 1). Desse
ponto de vista, o Não-eu, isto é, o objeto, não é senão o próprio Eu, isto é, o
sujeito: a identidade com o objeto é, assim, garantida pela própria definição
de conhecimento. Esta, obviamente, é uma definição arbitrária que não tem
efeitos sobre o êxito ou o malogro dos atos efetivos de C. e não servem, por
isso, nem para dirigir nem para esclarecer esses atos. Contudo, o princípio
afirmado por Fichte foi um dos que constituíram os pilares do movimento
romântico (v. Romantismo); e aí
tem origem um dos lugares-comuns mais perniciosos e enfadonhos, o do
"poder criativo do espírito". Schelling só fazia esclarecer seu
significado quando afirmava: "No próprio fato do saber — quando eu sei — o
objetivo e o subjetivo estão tão unidos que não se pode dizer a qual dos dois
cabe a prioridade. Não há aí um primeiro e um segundo: ambos são contemporâneos
e constituem um todo único {System des transzendentalen Idealismus, Intr.,
§1). O conceito do conhecer como processo de unificação domina toda a filosofia
de Hegel. A protagonista dessa filosofia, a Idéia, é a consciência que se realiza,
gradual e necessariamente, como unidade com o objeto. Diz Hegel: "A Idéia
é, em primeiro lugar, um dos extremos de um silogismo, porquanto é o conceito
que tem como fim, acima de tudo, a si mesmo como realidade subjetiva. O outro
extremo é o limite do subjetivo, o mundo objetivo.
Os dois extremos são idênticos no ser Idéia. Sua unidade é, em primeiro lugar,
a do conceito, que num deles é somente por si e, no outro, somente em si; em
segundo lugar, a realidade é abstrata num deles, ao passo que no outro está em
sua exterioridade completa. Essa unidade coloca-se por meio do conhecer" {Wissenchft
der Logik, III, cap. II; trad. it., p. 282). Assim, conhecer é o processo que
unifica o mundo subjetivo com o mundo objetivo, ou melhor, que leva à
consciência a unidade necessária de ambos. Todas as formas do idealismo
contemporâneo atêm-se a essa doutrina. Croce a introduz chamando o conceito de
"concreto": e por esse caráter dever-se-ia excluir que ele seja
"universal e vazio", "universal e inexistente" e admitir
que ele compreende em si "o ato lógico universal" e o
"pensamento da realidade", que é a própria realidade {Lógica, 4a
ed., 1920, p. 29). Gentile afirmava: "Conhecer é identificar, superar a
alteridade enquanto tal" {Teoria generale dello spirito, 2, $ 4).
Por sua vez Bradley, mais criticamente, considerava essa identificação como um
ideal-limite irrealizável em nós, mas realizado na Consciência absoluta, na
qual C. e ser, verdade e realidade, coincidem {Appearance and Rea-Hty, p.
181).
b)
O espiritualismo moderno, em todas as
suas manifestações, considera o conhecer como uma relação interna da
consciência consigo mesma. Essa interpretação garante a identidade do conhecer
com o objeto, já que desse ponto de vista o objeto não é senão a própria
consciência ou, pelo menos, um produto seu ou / uma manifestação sua.
Schopenhauer assim exprimia essa doutrina: "Ninguém nunca pode sair de si
para identificar-se imediatamente com coisas diferentes de si: tudo aquilo de
que alguém tem C. seguro, portanto imediato, encontra-se dentro da sua
consciência" {Die Welt, D, cap. I). Consciência, sentido íntimo, intros-pecção, intuição
são os termos que, a partir do Romantismo, a filosofia moderna emprega para
indicar o C. caracterizado pela identidade com seu objeto, por isso
privilegiado na sua certeza. A consideração básica é que, se o sujeito não pode
conhecer o que é diferente dele, o único í C. verdadeiro e originário é o que
ele tem de si mesmo. Com base nisso, Maine de Biran via no "sentido
íntimo" o único C. possível e interpretava os seus testemunhos como
verdades metafísicas {Essais sur les fondements de Ia psychologie, 1812).
Outras vezes, a consciência,
também
chamada de intuição, é interpretada como a revelação que Deus faz ao homem de
um atributo fundamental seu (p. ex., do ser, como afirma Rosmini, Nuovo saggio, § 473) ou
do seu próprio processo criativo, como faz Gioberti
{Intr. alio studio deliafil., II, p. 183). De modo análogo, a intuição de que fala
Bergson "como visão direta do espírito pelo espírito" {La pensée
et le mouvant, p. 37) é um procedimento privilegiado de C, no qual o ter:
mo objetivo é idêntico a subjetivo. E quando Husserl quis esclarecer o
modo de ser privilegiado da consciência chamou de "percepção
imanente" a percepção que a consciência tem das próprias experiências
vividas: porque o objeto dela pertence à mesma corrente de consciência a que
pertence a percepção (Ideen, I, § 38).
Com base nisso, Husserl considera a percepção imanente, isto é, a consciência
como absoluta e necessária: nela "não há lugar para discordância,
aparência, possibilidade de ser outra coisa. Ela é uma esfera de posição
absoluta" {Ibid., § 46). A exemplificação dada até aqui pode bastar
para esse ponto de vista, que tem grande difusão na filosofia contemporânea e,
apesar da variedade das suas expressões, é muito uniforme.
c)
Paradoxalmente o positivismo lógico transportou para a linguagem, em que vê a
operação cognitiva propriamente dita, a doutrina do caráter identificador dessa
operação. Wittgenstein afirma que "a proposição pode ser verdadeira ou
falsa enquanto é uma imagem {Bild) da realidade" {Tractatus, 4.06).
E prova que a proposição é uma imagem da realidade do seguinte modo: "Só
conhecerei a situação por ela representada se compreender a proposição. E
compreendo a proposição sem que o seu sentido me seja explicado" {Ibid.,
4.021).
À
primeira vista, acrescenta ele, "não parece que a proposição, p. ex. do
modo como está impressa no papel, seja uma imagem da realidade de que trata. Mas,
à primeira vista, nem a notação musical parece ser imagem da música, assim como
nossa escrita fonética (com letras) não parece ser a imagem de nossa língua
falada. No entanto, esses símbolos demonstram ser, até no sentido comum do
termo, imagens do que representam" {Ibid., 4.011). A insistência na
noção da imagem indica claramente que Wittgenstein compartilha a velha
interpretação do conhecer como operação de identificação. E de fato diz:
"Deve haver algo de idêntico na imagem e no objeto representado para que
aquela
possa ser a imagem deste" (Ibid., 2.161). Mas esse algo é "a
forma de figuração" (Jbid., 2.17). E a forma de figuração é a
"possibilidade de que as coisas estejam uma em relação à outra assim como
os elementos da imagem estão entre si" (Jbid., 2.151). O que parece
remeter à interpretação B da relação identificadora. B) A segunda
fase da doutrina do C. como identificação nasce com a filosofia moderna, mais
precisamente com Descartes. O princípio cartesiano de que a idéia é o único
objeto imediato do C, e que, por isso, a existência da idéia no pensamento nada
diz sobre a existência do objeto representado, obviamente punha em crise a
doutrina do conhecer como identificação com o objeto: nesse caso, o objeto é
claramente inalcançável. Descartes continuara a conceber a idéia como
"quadro" ou "imagem" da coisa (Méd., III, mas nele já aparece a tendência (cf. Regulae, V) de ver no C, mais do que a assimilação ou a identidade
da idéia com o objeto conhecido, a assimilação e a identidade da ordem das
idéias com a ordem dos objetos conhecidos. Malebranche, que admite que o
homem vê diretamente em Deus as idéias das coisas e, por isso, considera muito
problemática a realidade das coisas, admite, todavia, essa realidade como fundamento
da ordem e da sucessão das idéias no homem; ordem e sucessão não teriam
sentido, pensa ele, se não coincidissem com a ordem e a sucessão das coisas a
que se referem as idéias (Entretien sur Ia métaphysique, I, 6-7). Spinoza, que admite três gêneros de C. (percepção
sensível e imaginação; razão com suas noções comuns e universais; a ciência
intuitiva), considera que só os dois últimos permitem distinguir o verdadeiro
do falso, porque tiram a idéia do seu isolamento e a vinculam às outras idéias,
situando-a na ordem necessária que é a própria Substância divina (Et., II, 44). Locke, que define o C. como "a percepção do
acordo e da ligação, ou do desacordo e do contraste das idéias entre si" (Ensaio,
IV,
1, 2), exige, para que ele seja real, que
"as idéias correspondam aos seus arquétipos" (Ibid., IV, 4, 8) e por isso define a verdade como "a união ou
a separação de signos, conforme as coisas significadas por elas concordem ou
discordem entre si" (Ibid., IV, 5, 2). Locke considera que essa referência a objetos
reais não é indispensável ao C. matemático e ao moral, mas que é indispensável
ao "C. real", que tem por objeto substâncias (Ibid., IV, 4, 12). Para Leibniz, ao lado do C. apriori, funda-
do em
princípios constitutivos de intelecto, há um C. representativo que consiste na
semelhança entre as representações e a coisa (Nouv. ess., IV, 1, 1). Mas um e outro C. fazem da alma "um espelho
vivo e perpétuo do universo", porque ambos se baseiam na ligação que todas
as coisas criadas têm entre si, de tal modo que "cada substância simples
tem relações que exprimem todas as outras relações" (Monad., 56).
Em todas essas observações, embora não se negue o caráter de semelhança ou de
imagem dos elementos cognitivos, o C. é entendido propriamente como identidade
com a ordem objetiva. Seu objeto é propriamente essa ordem e o conhecer
é a operação que tende a identificar ou a identificar-se com ele, e não com os
elementos singulares entre os quais intercede. A propósito, a "revolução
coperni-cana" de Kant não consiste em inovar radicalmente esse conceito de
C, mas em admitir que a ordem objetiva das coisas tem como modelo as condições
do C, e não vice-versa. As categorias são, na verdade, consideradas por Kant
como "conceitos que prescrevem leis apriori aos fenômenos e,
portanto, à natureza como conjunto de todos os fenômenos" (Crít. R.
Pura, § 26). Os fenômenos, não sendo "coisas entre si mesmas",
mas "representações de coisas", para tanto precisam, ser pensados e,
assim, estar submetidos às condições do pensamento que são as categorias. Para
Kant, a ordem objetiva da natureza, portanto, outra coisa não é senão a ordem
dos procedimentos formais do conhecer, na medida em que essa ordem se
incorporou em um conteúdo objetivo, que é o material sensível da intuição.
Desse ponto de vista, conhecer nào é uma operação de assimilação ou de
identificação, mas de síntese; e como tal deve ser considerada sob outro
aspecto, do C. como transcendência. Pode-se considerar que essa fase da
doutrina do C. co-' mo assimilação, segundo a qual o objeto da assimilação é a
ordem, situa-se entre a primeira e a segunda interpretação principal do
conhecer, ou seja, entre a interpretação do conhecer como assimilação e a
interpretação do conhecer como transcendência.
2a
Para a segunda interpretação fundamental, o C. é uma operação de
transcendência. Segundo essa doutrina, conhecer significa virá presença do
objeto, apontá-lo ou, com o termo preferido pela filosofia contemporânea, trans*
cenderem sua direção. O C. é então a operação em virtude da qual o próprio
objeto está presente: ou presente, por assim dizer, em pessoa, ou
presente em um signo que o torne tastreável, descritível ou previsível. Essa
interpretação não se funda em nenhum pressuposto de caráter assimilador ou
identificador: para ela, os procedimentos do conhecer não visam converter-se no
próprio objeto do conhecer, mas a tornar presente esse objeto como tal ou a
estabelecer as condições que possibilitam sua presença, isto é, permitem
prevê-la. A presença do objeto ou a predição dessa presença constitui a função
efetiva do C., segundo essa interpretação.
É nos estóicos que essa
interpretação aparece pela primeira vez. Eles chamavam de evidentes as coisas
que "vêm por si mesmas ao nosso C." como p. ex. ser dia; e chamavam
de "obscuras" as coisas que costumam escapar ao C. humano. Entre
estas últimas, distinguiram as obscuras por natureza, que nunca se nos tomam
evidentes, e as obscuras momentaneamente, mas evidentes por natureza (p. ex., a
cidade de Atenas para quem mora nela). Estas duas últimas espécies de coisas
são compreendidas por meio de signos ou sinais: indicativos para
as coisas obscuras por natureza (como, p. ex., o suor é assumido como sinal dos
poros invisíveis) e rememorativos para as coisas evidentes por natureza,
mas momentaneamente obscuras (assim como a fumaça é um sinal de fogo) (Sexto Empírico, Adv. dogm., II, 141; Pirr. hyp., II, 97-102). São
reconhecíveis, nessa empostação, duas teses fundamentais: Ia o C. evidente consiste na
presença da coisa, pela qual a coisa "se manifesta por si" ou
"se compreende por si", isto é, compreende-se como coisa, portanto
como diferente daquele que a compreende; 2- o C. não evidente ocorre por
meio de signos ou sinais que remetem à própria coisa sem que tenham
qualquer identidade ou semelhança com ela.
Essa doutrina dos estóicos ficou
esquecida durante muitos séculos, negligenciada, como possibilidade pela história
da filosofia. Reaparece somente na Escolástica do séc. XIV, com os pensadores que criticam a
doutrina da spe-cies como intermediária do conhecimento. A species, como
se viu, é uma tese típica da doutrina da assimilação: na verdade é, ao mesmo
tempo, ato do C. e o ato do objeto (como forma ou substância deste último). Mas
Duns Scot dis-tinguiria um C. "que abstrai da existência atual da
coisa", dando-lhe o nome de "abstrativo"', e um "C.
da coisa enquanto existente e presente
em sua existência atual", dando-lhe
o nome de intuitivo (Op. Ox., II, d. 3, q. 9, n. 6). Ora, o C. intuitivo (que, por um lado, é
conhecimento sensível e, por outro, é conhecimento intelectual, que tem por
objeto a substância ou natureza comum, p. ex., a natureza humana) não tem necessidade
de espécies, porque nele está diretamente presente a coisa em pessoa. Só o C.
abstrativo, isto é, o C. intelectual do universal, tem necessidade de espécies (Ibid.,
I, d. 3, q. 7, n.
2). É a essa doutrina que a Escolástica do séc. XVI faz referência. Durand de
St.-Pourçains afirma que a espécie é inútil porque o próprio objeto está
presente ao sentido, e, através do sentido, também ao intelecto (In Sent., II, d. 3, q. 6, n. 10);
portanto, o C. universal é somente C. confuso, pois quem tem o C. universal
— p. ex., da rosa — conhece confu-sarnente o que é intuído distintamente por
quem vê a rosa que lhe está presente (Ibid., IV, d. 49, q. 2, 8). Para Pedro Auréolo,
o objeto do C. é a própria coisa externa que, graças ao intelecto, assume um
ser intencional ou objetivo que não é diferente da realidade
individual da coisa (In Sent., I, d. 9, a.
1). Ockham, por sua vez, transforma a teoria scotista do C. intuitivo em teoria
da experiência e afirma a presença imediata da coisa ao C. intuitivo. "Em nenhum C. intuitivo,
sensível ou intelectivo", diz ele, "a coisa se constitui em ser
intermediário entre a própria coisa e o ato de conhecer; mas a coisa mesma,
imediatamente e sem intermediário entre ela e o ato, é vista e apreendida"
(In Sent, I, d.
27. q. 3, I). O C.
intuitivo perfeito, que tem por objeto uma realidade atual ou presente, é a
experiência (Ibid., II,
q. 15, H); o imperfeito, que concerne a um objeto passado, deriva sempre
de uma experiência (Ibid., IV, q. 12, Q). Por sua vez, o C. abstrativo, que prescinde da
realidade ou da irrealidade do objeto, deriva do intuitivo e é uma intentioou
signum. Ockham reproduz assim a interpretação dos estóicos: quando a
realidade não está presente ao C. "em pessoa", anuncia-se ou
manifesta-se no signo ou sinal. A validade do signo conceituai, que, ao
contrário do lingüístico, não é arbitrário ou convencional, mas natural, provém
do fato de ser produzido naturalmente, isto é, casualmente, pelo próprio
objeto, de tal modo que sua capacidade de representar o objeto nada mais
é que essa conexão causai com ele (Quodl, IV, q. 3). Para ilustrar a função lógica
do signo, ou sinal, Ockham utiliza o conceito da supositio, que fora
elaborado pela lógica do séc. XIII (V. Signo, Suposição). No séc. XVII, os pontos
básicos dessa doutrina foram reproduzidos por Hobbes, para quem a sensação, que
é o fundamento de todo C, é o manifestar-se da coisa através do movimento que
ela imprime ao órgão do sentido {Leviath., 1,1; De corp., 25 §
2). Berkeley substituía a causalidade da coisa externa, à qual esses filósofos
atribuíam o C, pela causalidade de Deus: teoria segundo a qual as coisas
conhecidas são sinais pelos quais Deus fala aos sentidos ou à inteligência do
homem para instruí-lo sobre o que deve fazer {Principies of Knowledge, §§
108-09) é uma transição teológica dessa doutrina do conhecimento. Entrementes,
com o cartesianismo e especialmente com Locke, iam-se formando conceitos do C.
como operação unificadora: unificadora de idéias, isto é, de estados interiores
à consciência, mas cuja interligação corresponde ou deve corresponder à das
coisas (v. Ia B). Eliminada por Berkeley a substância material e por Hume
toda espécie de substância, a ligação entre as idéias vinha exaurir a função da
atividade cognoscitiva. Assim, Hume considera que toda operação cognoscitiva é
uma operação de conexão entre as idéias; operação de conexão é o
raciocínio pelo qual se mostra a ligação que as idéias têm entre si,
independentemente de sua existência real; operação de conexão entre as idéias é
o C. da realidade de fato. No primeiro caso, a conexão é certa porque não
depende de nenhuma condição de fato; no segundo caso baseia-se na relação de
causalidade. Mas essa mesma relação não tem outro fundamento além da repetição de
certa sucessão de acontecimentos e o hábito que essa repetição determina no
homem (lnq. Cone. Underst., IV, 1).
Esse
conceito do C. como operação de conexão ou de interligação, que nada tem a ver
com a identificação ou a assimilação com o objeto, é chamado por Kant de
operação de síntese. A síntese é, em geral, "o ato de reunir
diferentes representações e compreender sua multiplicidade em um C." (Crít. R.
Pura, § 10). Mas, para Kant, a síntese cognitiva não é somente uma operação
de ligação entre representações: é também uma operação de ligação dessas
representações com o objeto por meio da intuição. "Se um C. deve ter uma
realidade objetiva", diz Kant, "isto é, referir-se a um objeto e nele
ter significado e sentido, o objeto deve poder ser dado de um modo qualquer.
Sem isso, os conceitos são vazios e, se com eles
se
pensar, esse pensamento nada conhecerá, mas só estará brincando com as
representações. Dar um objeto — que não deva ser opinado indiretamente, mas
representado imediatamente na intuição — nada mais é que ligar sua
representação com a experiência (seja esta real ou possível)" {Ibid., Analítica
dos princípios, cap. II. seç. II). Pensar um objeto e conhecer um objeto não são, pois, a
mesma coisa. "O C. compreende dois pontos: em primeiro lugar, um conceito
pelo qual um objeto em geral é pensado (a categoria) e, em segundo lugar, a
intuição com que ele é dado" {Ibid., § 22). A intuição tem o
privilégio de referir-se imediatamente ao objeto e de, por meio dela, o objeto
ser dado {Jbid., § 1). Por isso, não há dúvida de que a operação de
conhecer tende a tornar o objeto presente em sua realidade: um objeto,
entenda-se, que é fenômeno, já que a "coisa em si", por definição, é
estranha a qualquer relação cognitiva.
O
conceito de C. — isento da limitação relativista sugerida a Kant e a toda
filosofia iluminista pela colocação de Descartes e Locke —, mas como operação
de referir-se ou relacionar-se com o objeto e, portanto, também como processo
pelo qual o objeto se oferece ou se apresenta em pessoa, foi adotado pela
fenomenologia contemporânea e pelas suas diversas correntes. "A cada
ciência", diz Husserl, "corresponde um campo objetivo como domínio
das suas indagações; a todos os seus C, isto é, aos seus enunciados corretos,
correspondem determinadas intuições que constituem o fundamento de sua
legitimidade, porquanto nelas os objetos do campo se dão em pessoa e, ao menos
parcialmente, como originários" {Idem, I, § 1). Assim, a experiência, que abrange todo o C.
natural, é uma operação intuitiva através da qual um objeto específico, a
coisa, é dada na sua realidade originária. Nesse sentido, a experiência é um atofundante,
não substituível por um simples imaginar. Por outra lado, o C. geométrico,
que não investiga realidades mas possibilidades ideais, tem como ato fundante a
visão da essência: essa visão, exatamente como a percepção empírica, torna
atual e apresenta um objeto em pessoa: este, porém, não é a coisa da
experiência, mas a essência' -{Ibid., § 8). Considerando o C. de um
ponto de vista mais geral, pode-se dizer que "toda espécie de ser tem por
essência seus modos de dar-se e, portanto, seu método de C." {Ibid., §
79); e a pesquisa fenomenológica é, no projeto de Husserl, a análise desse
modos de ser como "modos de dar-se". Analogamente, para N. Hartmann o
conhecimento é um processo de transcendência cujo termo é o ser "em
si" (Metaphysik der Erkenntnis, 1921, 4- ed., 1949, pp. 43 e
ss.). Segundo essa análise, deixou de ter sentido contrapor atividade e passividade
no conhecimento (contraposição que, nascida de Kant, fora assumida como
motivo polêmico pelo Romantismo a partir Fichte). Não cabe mais distinguir no
conhecimento o aspecto ativo, que Kant chamava de "espontaneidade
intelectual", do aspecto passivo, que para Kant era a sensibilidade. Não
se trata nem mesmo de reduzir todo o C. à atividade do eu, como fizera Fichte
e, com ele, toda a filosofia romântica, que considerou essa atividade
"infinita", isto é, sem limites (e por isso criadora), e como tal a exaltou.
Hoje, parece fictício até mesmo a perspectiva histórica que prevaleceu no
Romantismo e que opunha a concepção "clássica" (antiga e medieval),
para a qual a operação de conhecer seria dominada pelo objeto diante do qual o
sujeito é passivo, concepção moderna ou romântica, para a qual o C. seria
atividade do sujeito e manifestação de seu poder criador. Trata-se, realmente,
de uma perspectiva típica do Romantismo e de uma oposição teórica, que serviu a
fins polêmicos. Nem a filosofia antiga nem as modernas concepções objetivistas
pretendem estabelecer ou pressupõem a "passividade" do sujeito
cognoscente. Ao sujeito cognoscente pertence com certeza a iniciativa do
conhecer, aliás, é justamente essa iniciativa que define a sua subjetividade.
Mas isso não implica nem atividade nem passividade no sentido estabelecido por
Fichte. A iniciativa do sujeito visa tornar o objeto presente ou manifesto,
para tornar evidente a própria realidade, para manifestar os fatos. Aquilo que
se chama abreviadamente conhecer é um conjunto de operações, às vezes muito
diferentes entre si, que, em campos diversos, visam a fazer emergir, em suas
características próprias, certos objetos específicos. Desse ponto de vista, o
"problema do C", tal como se configurou na segunda metade do séc. XIX, como colocação romântica ou polêmica contra ela, como
problema de atividade ou passividade do espírito ou de sua "categoria
eterna", que seria a atividade teorética, é um problema que se desfez sob
a ação da fenomenologia, por um lado, e da filosofia da ciência e do
pragmatismo, por outro. No âmbito da fenomenologia, Heidegger fala de uma
anulação
do problema do conhecimento. O conhecer não pode ser entendido como aquilo pelo
que o ser-aí (isto é, o homem) "vai de dentro para fora de
sua esfera interior, esfera na qual estaria, anteriormente, encapsulado: ao
contrário, o ser-aí, em conformidade com seu modo de ser fundamental, já está
sempre fora, junto ao ente que lhe vem ao encontro no mundo já
descoberto" (Sem undZeit, § 13). Segundo Heidegger, conhecer é um
modo de ser do ser-no-mundo, isto é, do transcender do sujeito para o mundo.
Ele nunca é apenas um ver ou um contemplar. Diz Heidegger: "O ser no
mundo, enquanto ocupar-se, é tomado e obnu-bilado pelo mundo com que se
ocupa" (Ibid., § 13). O conhecer é, em primeiro lugar, a abstenção
do ocupar-se, isto é, das atividades comuns da via cotidiana, como manusear,
comerciar, etc. Essa abstenção possibilita o simples "observar, que é, de
quando em quando, o deter-se junto a um ente, cujo ser é caracterizado pelo
fato de estar presente, de estar aqui". Nessa abstenção de todo
comércio e utilização, realiza-se a percepção da simples presença. O perceber
concretiza-se nas formas de interpelar e discutir algo como algo. Com base
nessa interpretação, entendida em sentido amplo, a percepção se torna
determinação. O percebido ou o determinado pode ser expresso em proposições,
bem como manter-se e preservar-se nessa qualidade de proposto. A retenção
percep-tiva de uma proposição sobre... já é, em si mesma, uma maneira de ser no
mundo e não pode ser interpretada como um processo em virtude do qual um
sujeito receberia imagens de algo, imagens que seriam, em conseqüência,
experimentadas como "internas", de tal sorte que suscitariam o
problema de sua concordância com a realidade "externa" {Ibid., §
13). O "problema do C." e o "problema da realidade" (v. Realidade), do modo formulado pela
filosofia do séc. XIX, são, pois, eliminados por
Heidegger. Todas as manifestações ou graus do conhecer (observar, perceber,
determinar, interpretar, discutir, negar e afirmar) pressupõem a relação do
homem com o mundo e só são possíveis com base nessa relação.
Essa
convicção hoje é compartilhada por filósofos de procedência diferente, ainda
que muitas vezes sob terminologias diversas. O fundamento que a sugere é sempre
o mesmo: o abandono do pressuposto de que os "estados internos"
(idéias, representações, etc.) são os objetos primários de conhecimento, e que
só a partir deles podem (se é que podem) ser inferidos objetos de outra
natureza. A renúncia a esse pressuposto está explícita, p. ex., no pragmatismo
de Dewey, para quem o C. é simplesmente o resultado de uma operação de
investigação ou, mais precisamente, é a asserção válida em que tal operação
desemboca. Desse ponto de vista, o objeto do C. não é uma entidade externa a
ser alcançada ou inferida, mas é "o grupo de distinções ou características
conexas que emerge como constituinte definido de uma situação resolvida e é
confirmado na continuação da investigação" {Logic, cap. XXV, II; trad. it., p. 666). Visto que, freqüentemente, são
usados em certa investigação objetos constituídos em investigações precedentes,
estes últimos às vezes são entendidos como objetos existentes ou reais,
independentemente da própria investigação. Na realidade, são independentes da
investigação em que ora entram, mas são objetos só em virtude de uma outra
investigação de que resultam. No entanto, segundo Dewey, esse simples equívoco
é a base da concepção "representativa" do conhecimento. "O ato
de referir-se a um objeto, que é um objeto conhecido só em virtude de operações
totalmente independentes do próprio ato de referência, é considerado, para fins
de uma teoria do C, como constituinte por si mesmo de um caso de C. representativo"
{Logic, p. 667).
Essas
idéias influenciaram e continuaram influenciando poderosamente a filosofia
contemporânea e são a base da dissolução do problema do C, que é uma de suas
características. A dissolução desse problema favoreceu a lógica por um lado, e
a metodologia das ciências, por outro. Esta última, especialmente, é a herdeira
contemporânea de tudo o que ficou de válido em problemas que eram habitualmente
tratados pela teoria do conhecimento. A característica fundamental do objeto da
metodologia das ciências hoje é o caráter operacional e an-tecipatório dos seus
procedimentos. Aqui aludiremos às primeiras identificações históricas desses
caracteres, remetendo seu estudo mais detalhado ao verbete Metodologia. São reconhecidos pela
ciência só na medida em que o objetivo fundamental desta não é a descrição, mas
a previsão. Esse objetivo fora atribuído à ciência por F. Bacon; na filosofia
moderna, é reafirmado por Auguste Comte. Mas só mais tarde os próprios
cientistas o reconheceram e o assumiram explicitamente. Isso começou a ocorrer
quando Mach retomou a tese de que o
objeto
do C. é um grupo de sensações. "Uma cor", diz Mach, "é um objeto
físico enquanto consideramos, p. ex., sua dependência das fontes de luz (outras
cores, calor, espaço, etc); mas se a consideramos em sua dependência da retina,
é um objeto psicológico, uma sensação. Nos dois campos, a diferença não está na
substância, mas na direção da investigação" {Ana-lyse der Empfindungen,
1900; 9a ed., 1922, p. 14). Sob esse prisma, não são os corpos
que geram as sensações, mas são os complexos de sensações que formam os corpos;
estes não são mais do que símbolos para indicar tais complexos. Com
isso, pode parecer que Mach se inclina para a teoria representativa do
conhecimento. Mas, na realidade em sua teoria do conceito, é claramente
reconhecido o caráter operacional do C. O conceito científico, segundo Mach, é
um signo que resume as reações possíveis do organismo humano a um complexo de
fatos. Uma lei natural, p. ex., é uma restrição das possibilidades de
expectação, isto é, uma determinação da previsão {Erkenntniss undlrrtum, 1905,
cap. XXIII).
Os mesmos conceitos haviam sido
apresentados por Hertz em Princípios da mecânica (1894), embora sem o
abandono total da concepção pictórica do conhecimento. "O problema mais
direto e, em certo sentido, o mais importante que o nosso C. da natureza deve
capacitar-nos a resolver", dizia Hertz, "é a antecipação dos
acontecimentos futuros, de tal modo que possamos dispor as nossas atividades
presentes de acordo com essa antecipação. Como base para a solução desse
problema, utilizamos o C. dos acontecimentos já ocorridos, que foi obtido pela
observação causai e pelo experimento preordenado. Ao fazermos inferências a
partir do passado para o futuro adotamos constantemente o seguinte
procedimento: formamos imagens ou símbolos dos objetos externos e a forma que
damos a tais símbolos é tal que as conseqüências necessárias da imagem pensada
são sempre as imagens das conseqüências na natureza das coisas representadas"
(Prinzipien derMe-chanik, Intr.). O desenvolvimento posterior da ciência
eliminou os resíduos de concepção representativa que ainda permaneciam nas
doutrinas de Mach e de Hertz. Em 1930, um dos fundadores da mecânica quântica,
Dirac, já po- ' dia afirmar: "O único objeto da física teórica é calcular
resultados que possam ser confrontados com experimentos e é absolutamente
su-< pérfluo dar uma descrição satisfatória de todo o desenvolvimento do
fenômeno" (ThePrincipies of Quantum Mechanics, 1930, p. 7). Nesse
ponto, a teoria do C. resolveu-se completamente na metodologia das ciências.
Isso significa que, enquanto o problema do conhecimento como problema de um
objeto "externo" a ser alcançado a partir de algum dado "interno"
foi desaparecendo, propôs-se em seu lugar o problema da validade dos
procedimentos efetivos, voltados para a verificação e o controle dos objetos
nos diferentes campos de investigação.
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