quinta-feira, 9 de março de 2017

Introdução ao candomblé por Reginaldo Prandi

Contos e lendas afro-brasileiras: a criação do mundo. Reginaldo Prandi. Companhia das Letras, SP, 2007. Pag. 155 a 218. Apêndice: os deuses da mitologia afro-brasileira.

Introdução ao candomblé a partir do Apêndice.

Prandi fala dos deuses africanos (orixás) a partir do povo ioruba, hoje localizado na Nigéria e Benim.[1] Esse povo veio para o Brasil e trouxe consigo seus costumes, sua religião. Porém, esta religião recebeu vários nomes no Brasil: “candomblé na Bahia, xangô em Pernambuco, tambor-de-mina nagô no Maranhão, batuque no Rio Grande do Sul” (p.155). O candomblé do Rio de Janeiro quando uniu-se ao espiritismo da França gerou a Umbanda. Isto no inicio do sec. XX.
O povo ioruba acredita que os orixás (deuses) dividem entre si a administração do mundo. Como eles, foram politeístas: os antigos gregos, romanos e egípcios e também os povos pré-colombianos, como os incas, os maias, os zapotecas e os astecas. De modo diferente, o judaísmo e as religiões que se originam dele – o cristianismo e o islamismo – acreditam na existência de um único deus. Ainda que para os católicos os santos intercedem a deus pelos homens e, de certo modo, dividem a administração do mundo espiritual.
No Brasil os orixás do povo ioruba se misturaram com os santos católicos e com os orixás de outros povos africanos.
Os orixás são forças da natureza. Além dos orixás, o povo ioruba louvam também seus ancestrais que fundaram ou foram destaque na sua sociedade (como os santos para os católicos). Num determinado momento estas duas crenças se fundiram. Desse modo, as forças da natureza, o trovão, o mar, a terra, etc. “foram antropomorficados, isto é, adquiriram forma humana, e ganharam uma biografia mítica, sendo responsabilizados também por aspectos socioculturais” (p.164).
Num tempo remoto, os orixás habitavam a terra. A história do seu nascimento e de suas relações é chamada mitologia africana.
Na África eram muitos os orixás, no Brasil foram preservados cerca de 20. Xangô, rei da cidade de Oió, é orixá da justiça, é regido pelo trovão e o fogo. Sua esposa, Iansá, orixá do rio Níger, é regida pelo vento, raio e tempestade. Oxum, outra esposa de Xangô, domina o amor e a riqueza. Ogum cuida do trabalho e é patrono da caça e da agricultura. Oxaguiá inventou o pilão.
Os homens agradam os deuses oferecendo-lhes parte do que produzem para sobreviver, principalmente comida. Alguns animais são abatidos em oferenda aos orixás. Usualmente, a maior e a melhor parte da carne dos animais é consumida pelo grupo, representando a comunhão entre os deuses e os homens. Cada orixá tem suas preferências alimentares. Há os alimentos preferidos e os que não podem ser oferecidos. Por exemplo, Oxalá não come nada feito com azeite de dendê, enquanto Oxóssi não come mel.
Cada orixá tem sua função. Exu tem um papel especial. É mensageiro entre os homens e os deuses. Ele leva as oferendas e pedidos dos homens e traz os desígnios dos deuses. Nada acontece sem a autorização de Exu, por isso ele é sempre o primeiro a receber a oferenda.
O povo ioruba veio para o Brasil quando o catolicismo era a religião oficial. Assim, todos os habitantes do Brasil, inclusive os escravos, foram batizados e introduzidos aos rituais da Igreja Apostólica Romana. O povo vindo da África foi, com o tempo, fazendo paralelos entre os santos católicos e seus orixás. Isso foi chamado de sincretismo afro-brasileiro. Xangô foi identificado com São Jerônimo, Oxalá com Jesus Cristo, Iemanjá com Nossa Senhora, Nanã com Santana, mãe de Maria. Exu foi identificado com o Diabo.
É preciso ficar atento que essas correspondências não são idênticas, por exemplo, Exu não é o Diabo para o povo africano. Apenas as aproximações fizeram o povo fazer associações. Cada sistema religioso tem sua complexidade interna que só pode ser entendida com sua teologia e sua história.[2]
Outro paralelo que é possível ser feito é entre os orixás e os deuses grego, romanos e egípcios (todos eles antigos). Exu ocupa-se de tarefas similares as de Hermes, deus mensageiro dos gregos, e Mercúrio, que faz esta atividade no Olimpio romano. Xangô é o senhor da tempestade e da justiça, como Zeus, Júpiter e Amon, respectivamente deus grego, romano e egípcio.
Apesar das religiões e da organização social desses povos serem diferentes, as necessidades que precisam ser supridas para a boa sobrevivência da comunidade, possuem aspectos em comum.
Dentro do candomblé acredita-se que os homens e as mulheres herdam as características dos orixás que descendem. Na África o pai transmitia para seus filhos seu orixá. No Brasil, por causa da dispersão do povo africano, para saber qual o orixá que determinada pessoa é descendente é preciso consultar o oráculo. O sacerdote joga os búzios e identifica qual o orixá que rege aquela pessoa. Com a identificação do orixá que rege a pessoa, pode-se antever como é seu comportamento no dia-a-dia. Por exemplo, os filhos de Xangô normalmente são amantes do poder, os de Oxum são amorosos, os de Ogum gostam de trabalhos manuais, os de Oxalá são calmos.
Os devotos do candomblé acreditam que os homens e as mulheres vivem de modo grosseiro e imperfeito as histórias que os orixás viveram. Por isso, para entender nosso mundo é preciso saber a mitologia dos orixás.
O culto aos orixás é complexo e exige uma grande distribuição de tarefas. Os sacerdotes dos templos são a ialorixá, mãe de santo, quando esta for mulher, ou babalorixá, quando o pai de santo é homem. Eles recebem ajuda da mãe pequena ou do pai pequeno. Os filhos de santo, fieis da casa, permitem que os orixás se manifestem e dançam durante o ritual, são os iaôs. As mulheres que não entram em transe são as equetes. Elas cuidam das roupas e ornamentos sagrados. Os alabês são os homens que tocam os tambores e/ou outros instrumentos. O axogum cuida do sacrifício dos animais. O pejigã cuida do altar. Todos eles que são homens que não entram em transe são chamados ogãs. “Depois de cumprir obrigações rituais durante sete anos, os iaôs recebem o título de ebômi, que pode ser traduzido por minha irmã mais velho ou meu irmão mais velho” (p207), esses podem assumir tarefas dentro da celebração. Quem cuida da cozinha é a iabassê.
“Na África, o babalaô é o sacerdote encarregado de interpretar os desígnios dos orixás, diagnosticas doenças e identificar a origem dos mais diferentes males” (p.208). Ele faz isso pela consulta dos búzios.
O axé é a força dos orixás, a força da natureza. A mãe de santo ou o pai de santo, com os ritos, distribuem o axé para seus filhos de santo para que vivam em equilíbrio com os orixás e com a sociedade.
Os orixás africanos acompanham seu povo onde quer que eles estejam. Eles acolhem também outros povos que acreditam neles, mesmo os brancos, pardos, amarelos e mestiços das mais diversas origens. Afinal, como afirma as recentes descobertas da paleontologia, o homem teria surgido num lugar próximo a Ilê Ifé, na África, lugar onde a mando de Olorum os orixás criaram o mundo.
Como a cultura e a sociedade mudam, também os orixás mudam e acrescentam funções do seu domínio. Exu, por exemplo, é considerado orixá da internet.


Introdução ao candomblé
http://culturabrasil.cmais.com.br/programas/veredas/arquivo/ile-omolu-oxum-candomble


[1] Há diferenças entre os povos africanos e conseqüentemente diferem seus mitos.
[2] Pode-se pesquisar e depois comparar os principais rituais de cada religião: os de iniciação, os de passagem para vida adulta, os de casamentos, os de morte, os pedidos de alimentação, os de guerra, etc..

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