A queda do céu de Davi Kopenawa
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https://laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2018/05/09/a-queda-do-ceu-de-davi-kopenawa-o-xama-narrador-com-prefacio-de-eduardo-viveiros-de-castro-livro-em-pdf-abaixo-um-grande-xama-e-porta-voz-dos-yanomami-oferece-neste-livro-um-relato-excepcional-ao/
Davi Kopenawa, em 1989, pede para o antropólogo Francês Bruce Albert para escrever um recado aos brancos. O recado é longo e extenso, durou mais de 10 anos e virou mais de 700 páginas. Davi conta sua história. Ele nasceu na tribo Yanomami, no norte da Amazonas, fronteira do Brasil com a Venezuela. Nessa época, por volta de 1960, havia uma missão norte americana evangélica. Os missionários ensinaram ao Davi e ao seu povo o português a partir de histórias bíblicas. Porém nem sempre esses missionários faziam o que pregavam. Uma vez uma criança Yanomami quebrou o telhado de um missionário ao subir nele para pegar uma flecha. O missionário bateu na criança. Quando o pai adotivo de Davi viu aquilo se enfureceu e expulsou o missionário da região (p.263). Essa experiência marcou profundamente Davi que não conseguia entender porque sua família morria com o contato com aqueles pregadores. Nesse meio tempo Davi pega tuberculose e fica um ano no hospital de Manaus para se curar. (p.287)
p. 269. "Vocês pretendem que Teosi cuida de nós. Vocês nos deram o nome dele e, no final, são vocês que nos fazem morrer! Não queremos mais escutar suas palavras! Teosi não afastou o mal para longe de nós! Ao contrário, deixou-nos ser devorados pela epidemia de vocês!"
Na década de 70, devido a construção da transamazônica, rodovia que corta a região, Davi começa a trabalhar na Funai ajudando na comunicação com outros povos indígenas uma vez que ele entende o português.
p.282. “Eu era ajudante do cozinheiro do posto. Rachava lenha, acendia o fogo e ia buscar água no rio. Punha a carne de caça para assar. Lavava os pratos, os talheres e as panelas. E ainda pescava e caçava. Eu tinha muito trabalho mesmo e não tinha tempo para a preguiça! Apesar disso, eu gostava de viver junto com os brancos e de realizar as tarefas de que me incumbiam. Eu tinha acabado de ficar adolescente e, com eles, eu aprendia muitas coisas. Tinha muita vontade de conhecê-los melhor e de imitá-los.”
Davi Kopenawa conhece sua esposa e seu sogro. Seu sogro o transforma ele em xamã. (p.316)
74. “Nossa língua é aquela com a qual ele [Omama] nos ensinou a nomear as coisas. Foi ele que nos deu a conhecer as bananas, a mandioca e todo o alimento de nossas roças, bem como todos os frutos das árvores da floresta. Por isso queremos proteger a terra em que vivemos. Omama a criou e deu a nós para que vivêssemos nela. Mas os brancos se empenham em devastá-la, e, se não a defendermos morreremos com ela.”
p. 201. “Assim é. Sem o trabalho dos xamãs, voltaria ao caos depressa. A chuva e a escuridão, a raiva dos trovões, dos raios e do vendaval não cessariam nunca. Só os xapiri podem protegê-la e fortalecê-la. Por isso seguimos as pegadas de nossos ancestrais, virando espíritos com a yakoana (nota 15 O pó é fabricado a partir da resina tirada da parte interna da casca de uma árvore que contém 'um poderoso alcaloide alucinógeno, a dimetiltriptamina (DMT)). Isso deixa os xapiri felizes e, assim, eles continuam cuidando de nós. Os brancos não sabem nada dessas coisas. Se contentam em pensar que somos mais ignorantes do que eles, apenas porque sabem fabricar máquinas, papel e gravadores!”
83. “Também por isso às vezes chamamos os brancos de Yoasi theri, Gente de Yoasi. Suas mercadorias, suas máquinas e suas epidemias, que não param de nos trazer a morte, também são, para nós, rastros do irmão mau de Omama.”
p.207 “As árvores da floresta e as plantas de nossas roças também não crescem sozinhas, como pensam os brancos. Nossa floresta é vasta e bela. Mas não o é à toa. É seu valor de fertilidade que a faz assim. É o que chamamos në rope. Nada cresceria sem isso. [...] É ele que faz acontecer a riqueza da floresta e que, desse modo, alimenta os humanos e a caça. É ele que faz sair da terra todas as plantas e frutos que comemos.
Discussão: há na filosofia uma distinção entre natureza e cultura. Esse pensamento leva as autoridades brasileiras a construírem um parque que impede a presença das pessoas. Como o parque nacional da chapada Diamantina ou a chapada dos Guimarães.
p.289 Por isso costumo repetir aos rapazes de nossa casa: "Talvez vocês estejam pensando em virar brancos um dia? Mas isso é pura mentira! Não fiquem achando que basta se esconder nas roupas deles e exibir algumas de suas mercadorias para se tornar um deles! Acreditar nisso só vai confundir seus pensamentos. Vocês vão acabar preferindo a cachaça às palavras da floresta. Suas mentes vão se obscurecer e, no final, vocês vão morrer por isso!”
p.357 “As coisas que os brancos extraem das profundezas da terra com tanta avidez, os minérios e o petróleo, não são alimentos. São coisas maléficas e perigosas, impregnadas de tosses e febres, que só Omama conhecia. Ele porém decidiu, no começo, escondê-las sob o chão da floresta para que não nos deixassem doentes. Quis que ninguém pudesse tirá-las da terra, para nos proteger. Por isso devem ser mantidas onde ele as deixou enterradas desde sempre. A floresta é a carne e a pele de nossa terra, que é o dorso do antigo céu Hutukara caído no primeiro tempo. O metal que Omama ocultou nela é seu esqueleto, que ela envolve de frescor úmido. São essas as palavras dos nossos espíritos, que os brancos desconhecem. Eles já possuem mercadorias mais do que suficientes. [...] O que os brancos chamam de "minério" são as lascas do céu, da lua, do sol e das estrelas que caíram no primeiro tempo. [...] Onde o solo é muito quente, é porque no mais fundo dele há pedras e metais. Onde o solo é vazio, faz muito' frio, as nuvens são baixas e quase não se vê o sol. Deve ser o caso das terras distantes de onde os ancestrais dos brancos já extraíram todo o minério. (p.360) [...] O ouro, quando ainda é como uma pedra; é um ser vivo. Só morre quando é derretido no fogo, quando seu sangue evapora nas grandes panelas das fábricas dos brancos. Aí, ao morrer, deixa escapar o perigoso calor de seu sopro [...] Ocorre o mesmo com todos os minérios, quando são queimados. (p.362)
p. 355 Todas as mercadorias dos brancos jamais serão suficientes em troca de todas as suas árvores, frutos, animais e peixes. As peles de papel de seu dinheiro nunca bastarão para compensar o valor de suas árvores queimadas, de seu solo ressequido e de suas águas emporcalhadas. É por isso que devemos nos recusar a entregar nossa floresta. Não queremos que se torne uma terra nua e árida cortada por córregos lamacentos.
377. Acontece assim. Os jovens - moradores e convidados - começam a cantar respondendo uns aos outros, aos pares, de pé um diante do outro, na praça central da casa. Quando terminam, vão sendo substituídos aos poucos pelos homens mais experientes, que vão se sucedendo sem descanso até o meio da noite. É isso que chamamos de wayamuu. As palavras desses diálogos se alongam muito. São como as notícias de rádio dos brancos. Nelas relatamos o que ouvimos em visita a outras casas. [...] Depois, no meio da noite, quando findam as palavras do wayamuu, os homens mais velhos, anfitriões e visitantes, se agacham cara a cara, muito perto um do outro.
385. Ailton Krenak e Álvaro Tukano, lideranças da União das Nações Indígenas, me convidaram a falar. 21 Disseram-me: “Você deve defender a floresta de seu povo conosco! Precisamos falar juntos contra os que querem se apossar de nossas terras! Senão, vamos acabar todos desaparecendo, como nossos antigos antes de nós!"
387. Depois de Manaus e Brasília, conheci São Paulo. Foi a primeira vez que viajei tão longe por cima da grande terra do Brasil. Compreendi então o quanto é imenso o território dos brancos para além de nossa floresta e pensei: "Eles ficam agrupados numas poucas cidades espalhadas aqui e ali! Entre elas, no meio, é tudo vazio! Então por que querem tanto tomar nossa floresta?''.
402. Nossos maiores faziam dançar esses espíritos abelha desde sempre. Foram eles que vieram falar comigo no sonho, para me comunicar sua inquietação: “Você que sabe virar espírito, fale duro com os forasteiros, eles vão escutá-lo! Os brancos não têm mesmo sabedoria nenhuma! Devem parar de maltratar as árvores da floresta! Logo já não haverá nenhuma flor perfumada para nos alimentar e fazer mel. Se continuar assim, será a nossa vez de morrermos todos!”
409. As mercadorias não morrem. É por isso que não as juntamos durante nossa vida e nunca deixamos de dá-las a quem as pede. Se não as déssemos, continuariam existindo após nossa morte, mofando sozinhas, largadas no chão de nossas casas. [...] Nunca guardamos objetos que trazem a marca dos dedos de uma pessoa morta que os possuía!
412. Os brancos são outra gente. Eles acumulam muitas mercadorias e sempre as guardam junto de si, enfileiradas em tábuas de madeira no fundo de suas casas. Deixam que envelheçam por bastante tempo antes de minguar algumas a contragosto. Quando as pedimos, ficam desconversando e fazendo promessas para não ter de entregá-las. Ou então exigem que antes trabalhemos para eles por um bom tempo.
Se um dos nossos é morto pelas flechas ou pela zarabatana de feitiçaria de um inimigo, apenas revidamos do mesmo jeito, procurando matar o culpado que se encontra em estado de homicida õnokae. É muito diferente das guerras nas quais os brancos não param de fazer sofrer uns aos outros! Eles combatem em grandes grupos, com balas e bombas que queimam todas as casas que encontram. Matam até mulheres e crianças! Movem suas guerras só poderem ouvido palavras de afronta, por terras que cobiçam ou das quais querem arrancar minério e petróleo.
472. No entanto, no primeiro tempo, todos fazíamos parte da mesma gente. As antas, os queixadas e as araras que caçamos na floresta também eram humanos.
479. Omama tem sido, desde o primeiro tempo, o centro das palavras que os brancos chamam de ecologia. ... Na floresta, a ecologia somos nós, os humanos. Mas são também, tanto quanto nós, os xapiri, os animais, as árvores, os rios, os peixes, o céu, a chuva, o vento e o sol!
481. Acho que as palavras de sabedoria de Chico Mendes não desaparecerão, pois após a sua morte elas se propagaram no pensamento de muitas outras pessoas, assim como no meu.
484. Quando falam da floresta, os brancos muitas vezes usam uma outra palavra: meio ambiente. ... Não gosto dessa palavra meio. A terra não deve ser recortada pelo meio.