domingo, 7 de novembro de 2021

Sobre.o.Brasil

 Sobre o Brasil (para todas as turmas)
A história do Brasil é muito complexa, por isso vamos apenas indicar algumas coisas que para nós são fundamentais nessa conversa. Em primeiro lugar precisamos lembrar de 4 civilizações que hoje são fundamentais para o território brasileiro: primeiro, os povos tradicionais; segundo, os europeus; terceiro, os povos africanos que foram forçados a vir; quarto, os chineses. (segue abaixo os link para uma primeira discussão sobre cada um desses povos) (obs: sobre os povos europeus veja postagem sobre história no link sobre a china)
http://umaconversasobrefilosofia.blogspot.com/2020/05/
http://umaconversasobrefilosofia.blogspot.com/2019/08/todas-as-turmas-historia-preliminar-da.html
http://umaconversasobrefilosofia.blogspot.com/2021/11/sociologiacontenporaneachina.html
É muito difícil ao um cidadão comum possuir informações corretas acerca do funcionamento dos Estados.[1] Além das complexidades inerentes ao funcionamento das nações soma-se os sigilos que elas precisam manter a fim se preservar. Uma forma de se obter informações acerca do funcionamento de um dado de um país é a partir da diplomacia. Um país envia para o país que quer estabelecer relações (em geral, comerciais) um grupo de pessoas, os diplomatas, e por outro lado, recebe um grupo de pessoas deste país. Esses diplomatas acompanham os acontecimentos do país que estão morando para reportar para seu país de origem. Tem uma questão aqui, o governo do país onde estão os diplomatas de outro país vai querer apresentar uma imagem positiva para esses diplomatas. Assim, eles, os diplomatas, precisam trabalhar para fornecer ao seu país de origem informações coerentes acerca da realidade. Vejamos algumas informações de alguns diplomatas brasileiros que viveram na China.
Segundo Celiane Ferreira da Costa (2018) a relação entre Brasil e China depois da II Guerra Mundial foi bastante conturbada. Alinhado aos interesses estadunidenses o Brasil, sob liderança do General Enrico Gaspar Dutra, em 1949, devido a criação da República Popular da China (RPC), o Brasil rompe relações diplomáticas com a China, retirando de lá seus diplomatas. Porém, no inicio da década de 60 o Brasil, então governado por Jânio Quadros e pelo seu vice João Goulart que eram favoráveis a entrada da RPC na Organização das Nações Unidas (ONU), tentam uma aproximação comercial.[2] Com essa aproximação com a China e sendo acusado de ‘Comunista’, Jânio renuncia e pouco tempo depois ocorre o golpe militar no governo de João Goulart. O golpe aconteceu dia 01 de abril de  1964, dois dias depois nove chineses que estavam organizando uma exposição comercial foram presos e torturados. Um ano depois eles foram enviados novamente para a China. Em 2014 o governo brasileiro coordenado por Dilma Rousseff admite o erro e “os nove chineses foram condecorados com a medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais alta insígnia do Brasil.” (p.12)
A China voltou a ter relação com o Brasil em 1973.[3] Nessa época Mao Tse-tung era o líder chinês e no lado brasileiro, Emílio Garrastazu Médici liderava a ditadura militar brasileira. Essa relação foi continuada ao longo dos anos e com Deng Xiaoping, novo líder chinês a partir de 1978, iniciou, junto com seus acadêmicos, estudos acerca dos países ocidentais. No caso dos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, sua orientação foi buscar entender como esses países se desenvolveram. Para entender melhor o Brasil, vamos fazer uma pequena digressão.
A realidade brasileira atual devem-se ao seu passado colonial e escravista. Tendo, ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, construído uma estrutura exportadora (com plantation), com o fim da escravidão no fim do século XIX, os governantes brasileiros, parte dele formado por militares, adotaram uma política do embranquecimento da população brasileira a partir por um lado do abandono da população negra e mestiça que havia sido escravizada e por outro pela atração de populações brancas do mundo inteiro.[4] Diversos povos vieram para o Brasil, árabes, japoneses, chineses, mas os povos que vieram em maior número foram os italianos e os alemães, em especial para o sudeste e sul do país.
Em meados do sec. XX o Brasil passou por um processo de modernização: construção de ferrovias, instalação de indústrias, criação de universidades, aparelhamento da estrutura do Estado. Uma dessas instituições, a Universidade de São Paulo (USP) contou com o auxílio de franceses, ingleses e alemães para construir umas das primeiras universidades do Brasil.  Iniciou-se também nesse movimento a industrialização no Brasil. Desse modo iniciou-se um  processo de transmissão de tecnologias e conhecimento de saberes produzido na Europa para o Brasil.  Dois outros saberes produzidos na Europa e práticos no Brasil foram o regime político e a estrutura religiosa cristã. Desde a independência em 1822 o Brasil tem eleições para representantes políticos, adquirindo assim a democracia republicana europeia.[5] Porém apenas aqueles que tinham renda poderiam votar, mesmo assim, os nomes dos mais votados passavam pela escolha do Imperador.  No que diz respeito a ordem religiosa instalada no Brasil grosso modo mantiveram o pensamento colonial: é preciso educar na fé crista e nos costumes europeus a população.  Assim, a população que estava aqui antes da colonização, bem como os que haviam sido escravizados, e  posteriormente os japoneses, árabes, judeus, entre outros, foram ‘educados’ e julgados pelas lentes de certo cristianismo.[6]
Assim o Brasil foi constituído pelo colonialismo escravista português que inicialmente optou por usar o território para produzir alimentos para a Europa e para o comercio de escravizados na África. Esses portugueses e seus descendentes valeram-se da organização política europeia e da transmissão da espiritualidade crista modificada pelo império romano.  No século XX, com a vinda das indústrias, o crescimento das cidades, a atração de migrantes de diversos lugares, o quadro começou a se modificar. O Brasil foi aos poucos deixando de ser um país colonial rural para se tornar um país urbano a partir do modelo Europeu.
Ao mesmo tempo em que ocorreu esse ‘desenvolvimento’, e a ditadura de 1964 é a maior prova disso, houve uma contenção. É preciso lembrar que a partir do fim da segunda guerra mundial foi declarada os direitos humanos ao mesmo tempo que foi iniciado a Guerra Fria a fim de conter a influência da URSS pelo mundo. Umas dessas estratégias foi cooptar lideranças militares pelos países a fora. No Brasil e na América Latina não foi diferente.[7] Esse é um dos motivos que a relação entre Brasil e China só foram intensificados na redemocratização. Uma dessas parcerias foi a Cooperação espacial Brasil República Popular da China (CBERS). A partir desse projeto Brasil e China conseguiram desenvolver uma tecnologia similar aos dos países ditos desenvolvidos ao ponto de hoje ceder imagens de satélite a países da América Latina e África.[8] Outra parceria importante foi à área de construção de hidroelétrica, técnicos chineses vieram aprender com técnicos brasileiros os detalhes da construção.[9] Em paralelo a esses projetos, Brasil e China iniciaram na década de 90 sua parceria comercial mais intensa, em especial minérios e produtos agrícolas. Este comércio foi crescendo ano a ano a ponto de na primeira década do século XXI a China ser o principal parceiro comercial do Brasil.
Se o Brasil se constituiu como um país agrário exportador para depois se tornar um país urbano de modelo europeu, a China foi um país predominante rural até início do século XXI para depois, a partir da modernidade europeia do século XX tornar-se um país urbano capitalista.[10] Sua população viveu nos últimos milênios produzindo para subsistir e contribuindo, cada um ao seu modo, ao Império chinês por meio de impostos.[11] Segundo Fei Xiaotong isso resultou num modo de vida (comportamental, racional, espiritual) completamente distinto do ocidente e, consequentemente, do Brasil. Para ele, em geral, os chineses se percebem como parte de um todo, como numa teia onde cada um dos seus pontos está conectada a outros pontos.[12] Assim, os valores que predominam são a piedade filial, o dever fraterno, a lealdade e a sinceridade. Além do mais a desigualdade entre as pessoas é vista como natural.[13] Essa desigualdade é representada pelo símbolo do Yin Yang, onde um extremo completa o outro.
Para Fei Xiaotong três são os tipos de pessoas que vivem na China: os camponeses que mantem tradições milenares, as pessoas que vivem nas grandes cidades no interior do país e as pessoas que vivem no litoral e absorveram modos de vida de outros lugares, entre eles o ocidente.[14]
Em paralelo com reaproximação com o ocidente, burlando a guerra fria, o governo chinês criou uma estrutura para recebimento de empresas ocidentais, são as Zonas econômicas especiais (ZEE).[15] Porém essas empresas eram proibidas de vender seus produtos para o mercado chinês. Nesses locais os chineses conseguiram organizar a transferência de conhecimento em vários níveis, tanto do nível da produção, como no nível da logística.
Como vimos impera no Brasil os modelos de sociabilidade europeu e norte americano. Isso é claro no universo escolar, seja ele de nível básico, como de nível superior, quando, por exemplo, observamos o ensino de línguas.[16] No nível básico aprende-se o português, o inglês e apenas recentemente foi inserido o espanhol. No nível superior outras línguas modernas, como francês, italiano e alemão recebem destaques. Línguas antigas como o latim e o grego também possuem cursos regulares. Línguas árabes, línguas indígenas, línguas africanas e línguas orientais são quase inexistentes. Além da língua, a cultura e o modo de vida de outros povos (etnias) ainda são desconhecidos da população brasileira, gerando muitos preconceitos. Pensando nisso e sabendo que a Unicamp recebe pesquisadores do mundo inteiro vou rascunhar um projeto para permitir a população brasileira conhecer as diversas etnias espalhadas pelo mundo.
 
Escola multiétnica a partir de pesquisadores estrangeiros em universidades brasileiras
Um primeiro trabalho que poderia ser feito é saber como ocorre a recepção de pesquisadores estrangeiros nas universidades brasileiras? Como eles são recebidos? Quais são suas necessidades para morar nas cidades brasileiras durante o tempo de suas pesquisas? Esses pesquisadores conseguem manter no Brasil o padrão de vida que possui em seu país de origem? E seus filhos, possuem uma educação que permita a eles aprenderem a língua e a cultura do Brasil ao mesmo tempo aprender a cultura e a língua do país de origem dos seus pais? O que precisa ser feito para que isso seja possível?
A fim de absorver o conhecimento dos estrangeiros que procuram as universidades brasileiras, vou propor aqui a criação de uma escola multiétnica. Essa escola seria destinada inicialmente para pesquisadores estrangeiros que possuem filhos em idades escolar, de 4 até 16 anos. Tendo estudado em uma escola regular meio período, no outro período a universidade organizaria para que essas crianças junto com seus pais pudessem manter os saberes de seu país (etnia) de origem. Assim: a língua, as histórias, as brincadeiras, os jogos, os tipos de alimentação, a vestimenta, a relação com o divino, enfim, os modos de existência deste país (etnia) possam ser sistematizados a fim de ser aprendido tanto pela criança desta etnia como das outras crianças de outras etnias. Para que no caso da primeira o impacto da mudança seja amenizado e no caso da segunda seja uma abertura para o conhecimento de um novo modo de vida.
A proposta então é a criação de um espaço multiétnico nas universidades brasileiras onde crianças de diversas nacionalidades possam aprender umas com as outras. Em primeiro lugar isso só é possível com a participação ativa dos pais, pois são eles que irão apresentar para seus filhos a cultura e a língua de sua nação de origem. Então, num primeiro momento a proposta é que os pais possam selecionar as informações, os textos, as brincadeiras, os jogos, as práticas culturais que são significativas para serem apresentadas para crianças de outras nacionalidades. Algumas sugestões para iniciar este processo: construção de casas coletivas com materiais e procedimentos de cada um dos países participantes do projeto; cultivo de plantas típicas; nos encontros praticar brincadeiras e jogos típicos; ouvir e executar músicas típicas; ler textos de literatura na língua dos participantes; ler notícias dos meios de comunicação dos países de origem. Todas as propostas realizadas deveram ser traduzidas, se possível pelas crianças/adolescentes de uma língua para outra.
 
Referencias Bibliográficas
Biato Jr., Oswaldo. 2010. A Parceria Estratégica Sino-Brasileira: origens e perspectivas (1993-2006). Brasília, Fundação Alexandre de Gusmão.
Castilho, Fausto. O conceito de universidade no projeto da UNICAMP. Organizador: Alexandre G. T. de Soares –Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2008.
COSTA, C. F. da. Análise das relações sino-brasileiras a partir da prisão de nove chineses no início do governo militar (1964). Ideias, Campinas, SP, v. 9, n. 2, p. 7–30, 2018. DOI: 10.20396/ideias.v9i2.8655178. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/8655178. Acesso em: 8 nov. 2021.
DWYER, Tom Organizador et al. Jovens Universitários em um Mundo em Transformação: uma pesquisa sino-brasileira. 2016. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=28162
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem. In. Viveiros de Castro, E. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Ed. Cosac & Naify, 2002, 181-264.
Moreno , Camila . O Brasil Made in China : para pensar as reconfigurações do capita . .ed. São Paulo : Fundação Rosa Luxemburgo , 2015.
[1] Mesmo o Estado brasileiro tem dificuldades de possuir informações acerca do seu território. Michel Nicolau certa vez apontou a opção pela ênfase na teoria da sociologia brasileira já que uma sociologia com base empírica possui um custo elevado.
[2] A visita pode ser vista pelo Youtube em ‘Visita à China de João Goulart 1961’ a partir do link: https://www.youtube.com/watch?v=kJdopHYmmnk.
[3] Estamos usando o texto: Biato Jr., Oswaldo. 2010. A Parceria Estratégica Sino-Brasileira: origens e perspectivas (1993-2006). Brasília, Fundação Alexandre de Gusmão. Disponível no link: http://funag.gov.br/loja/download/899-A_Parceria_Estrategica_Sino-Brasileira.pdf.  Desde da criação da ONU em 1945 há uma tentativa por parte deste órgão de organizar estudos sobre o que está acontecendo em todos os países. Um dos limites deste órgão é que ele é organizado por agentes de países europeus. Brasil, China, Rússia e Índia (e posteriormente a África do Sul) ao criarem o BRICS tentam atuar junto a ONU e outros Órgãos internacionais para reverter essa situação.
[4] Um dos motivos desse abandono das autoridades brasileiras em relação da população que foi escravizada  decorre do não reconhecimento daquilo que foi produzido pelos escravizado, ou melhor, daquilo que foi produzido em conjunto entre a população libre e a população escravizada.
[5] Em relação ao modelo político três revoluções são importantes: Revolução Inglesa (1640-1688); Revelução Americana (1775-1783); Revolução Francesa (1789-1799). Para uma introdução aos aspectos políticos dessas revoluções podemos assistir às aulas correspondentes no curso de relação internacional de Peter Demant.
[6] Esse cristianismo associado ao Estado é distinto do cristianismo tal como é descrito no Novo Testamento. Dussel (2014) chama o primeiro de Cristandade e o segundo de Cristianismo. Na verdade o que veio para o Brasil foi uma mistura dos dois. O mesmo Dussel e outros, como Viveiros de Castro (2002), apontam que os povos que estavam aqui antes da chegada dos europeus eram mais cristãos do que os próprios europeus, uma vez que se dedicavam a uma vida simples tal como Jesus e seus primeiros discípulos, e que os ditos cristãos eram gananciosos pela terra e pelo comércio.
[7] Uma dessas experiências foram as privatizações de empresas estatais. Podemos sintetizar essa experiência do seguinte modo: um país x pede empréstimos ao pais y para construir infraestrutura urbana (portos, hidroelétricas, saneamento básico, escolas, hospitais, etc). Por meio de impostos o pais x paga essa dívida. Tendo construído essa estrutura pode-se ao mesmo tempo ‘atrair’ as empresas e num segundo momento alugar ou vender a administração dessas estruturas.
[8] Segundo Moreno em 2015 o Brasil era o maior exportador de imagens de satélite. O livro pode ser baixado pelo link: https://rosalux.org.br/o-brasil-made-in-china-3/.
[9] Hoje, em 2021, empresas chinesas e empresas brasileiras são parceiras na produção e distribuição de energia elétrica.
[10] Alguns chamam de capitalismo de Estado, capitalismo com características chinesas, ou mesmo Comunismo de mercado. O nome importa pouco, o que nos parece mais importante é verificar como se dá a relação da China com outros países do mundo.
[11] Segundo Valter Pomar em sua apresentação da historia da China de 210 a.C. até 1950 houve 24 dinastias que se sucederam no poder do Império Chinês. As principais são: Yuam (1271-1368), Ming (1368-1644), Qin ou Manchur (1614-1911). De 1911 até 1949 houve guerra civil. Em 1949 assumiu o poder o Partido Comunista vencendo o partido nacionalista que se refugiou em Taiwan.
[12] “uma teia de relações sociais ligadas ao parentesco é específica para cada pessoa, cada teia tem um eu como centro, e cada teia tem um centro diferente” (p.62).
[13] Fei a partir de Confúcio apresenta esses valores em contraposição a dois valores que para ele são predominantes no ocidente, o amor fraterno e o ideal de igualdade. Este último é fruto de uma sociedade que se constituiu a partir da guerra e do confronto.
[14] É preciso lembrar que o trabalho de Fei Xiaotong é de meados do século XX.
[15] Segundo Biato (2010) o governo Chinês propôs as ZEEs observando a zona franca de Manaus no Brasil.
[16] Podemos estender para o ensino de Filosofia, Sociologia, História, Literatura, Matemática, entre outros.



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